Projeto de biocombustível entre Galp e Petrobras acumulou prejuízos milionários
Luanda Leaks
20 de jan. de 2020, 12:01
— Lusa/AO Online
A investigação faz parte do “Luanda Leaks”, um
projeto do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação
(ICIJ), que tem no Brasil a revista Piauí, a Agência Pública e o 'site
Poder360' como parceiros, e que detalham esquemas financeiros de Isabel
dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que envolvem centenas de
empresas.Entre as companhias que Isabel
dos Santos detém ações está a Galp, adquiridas em 2005, através de uma
'holding' holandesa pertencente à empresária angolana e à estatal
petrolífera de Angola, Sonangol.A 'joint
venture', denominada de Belém Bioenergia Brasil (BBB), ganharia forma
dois anos depois, em 2007, com os Governos do Brasil e Portugal, à época
liderados por Lula da Silva e José Sócrates, respetivamente, a
assinarem um acordo de investimentos para produção conjunta de óleo
vegetal no Brasil e biocombustível em Portugal, visando a Petrobras e a
Galp.Com sede no estado brasileiro do
Pará, na Amazónia, a empresa projetava financiar a platação de dendê
[espécie de palmeira de origem africana] no município de Tailândia, com o
intuito de produzir 300 mil toneladas por ano de óleo e,
posteriormente, exportar o produto para Portugal, onde uma refinaria da
Galp transformaria o óleo em biodiesel, que seria vendido na Europa,
segundo a revista Piauí.Contudo, segundo a
revista Piauíos, os planos mostraram-se desfasados da realidade, com a
assessoria da Petrobras a declarar prejuízos de 267 milhões de reais (58
milhões de euros) associados à BBB. Já a investigação dos media
brasileiros revelou que, de 2011 a 2018, os balanços da empresa de
biocombustível somaram prejuízos de 720 milhões de reais (156 milhões de
euros).Tanto as duas petrolíferas - que
não tinham à época nenhum experiência agrícola -, assim como os
agricultores a trabalhar no projeto, somaram perdas, com estes últimos a
queixarem-se de os seus contratos não terem sido reajustados ao longo
dos anos.Segundo a Piauí, enquanto a Petrobras foi sócia, a BBB não produziu um único litro de biocombustível."Não
acho que a BBB tenha surgido porque a Petrobras achou que óleo de palma
era um bom negócio. Acho que surgiu por imposição política, e não por
uma ideia económica. […] Ou [a imposição] veio do Lula ou de Sergio
Gabrielli [presidente da petrobras aquando da criação da BBB], que eram
os dois que poderiam mandar nesse processo”, afirmou à Piauí Marcello
Brito, ex-CEO da Agropalma, concorrente da BBB no setor.Gabrielli é atualmente membro do Conselho de Administração e Comissão para a Estratégia Internacional da Galp Energia.Foram
vários os fatores que foram levando ao desaceleramento do projeto,
refere a revista brasileira. O plantio das primeiras mudas do dendê
começou em janeiro de 2011, com a perspetiva de colheita dos primeiros
cachos a rondar 2014, visto que a planta começa a produzir após os
primeiros três anos de vida.Porém, antes
da primeira colheira, a Galp desistiu de refinar o óleo de palma em
Portugal, devido à baixa perspectiva de lucro, colocando assim um travão
no projeto que dava os seus primeiros passos.Outro
mercado, contudo, mereceu a atenção da BBB por conseguir absorver toda a
produção de óleo: a indústria de cosméticos e de alimentos. De
acordo com a Piauí, que cita a Associação Brasileira de Produtores de
Óleo de Palma, o Brasil consome 506 mil toneladas do produto por ano,
enquanto produz apenas 360 mil toneladas, sendo que a diferença é
importada, principalmente, da Indonésia e da Malásia, maiores produtores
mundiais. Mais tarde, em 2014, o Fundo de
Desenvolvimento da Amazónia destinou à BBB 89 milhões de reais (19
milhões de euros), de um total de 576 milhões de reais (125 milhões de
euros) para a construção de duas unidades industriais, onde o dendê
seria esmagado. Mas, mais uma vez, o
projeto recuou, com a Petrobras a desistir do investimento no ano
seguinte, quando a petrolífera enfrentava denúncias de corrupção.Numa nova reviravolta, a BBB passou a colher os cachos de dendê e revendê-los a empresas menores daquela região."Os
prejuízos anuais da BBB, que começaram com 8,3 milhões de reais (1,8
milhões de euros)em 2011, chegariam a 368,2 milhões de reais (80 milhões
de euros) em 2016", segundo a revista brasileira.Também
irregularidades laborais marcam o histórico da empresa, tendo sido
autuada 16 vezes, entre 2017 e 2019, por falta de condições mínimas de
segurança e higiene para os empregados, ou jornadas excessivas de
trabalho, por exemplo.Em 2016, face a
problemas no processamento das toneladas de dendê colhidas, a Galp
procurou parcerias para a contrução de fábricas, chegando a acordo, em
2017, coma a Ecotauá, uma 'joint venture' entre a empresa Dentauá e o
Opportunity Agro, um fundo de investimentos do Grupo Opportunity, do
banqueiro brasileiro Daniel Dantas, suspeito de corrupção e
branqueamento de capitais.De acordo com a
investigação do “Luanda Leaks”, em setembro de 2016, Nuno Frutuoso, um
dos executivos do conglomerado de empresas de Isabel dos Santos, recebeu
em Angola o “senhor Daniel Dantas”, segundo apurado em 'e-mails' da
empresária angolana, a que o ICIJ teve acesso. Contudo, o consórcio
frisa que não fica claro se se trata do banqueiro brasileiro ou de algum
homónimo. O último capítulo da BBB foi
no final de 2019, com a Petrobras Biocombustíveis a anunciar a conclusão
da venda da sua participação de 50% da BBB para a portuguesa Galp, já
detentora dos restantes 50%."Após o
cumprimento de todas as condições precedentes, a operação foi concluída,
cabendo à Petrobras Biocombustíveis S.A o direito de receber cerca de
24,7 milhões de reais (5,5 milhões de euros), os quais serão retidos
pela Galp até dezembro de 2020 para compensação de potenciais pagamentos
de indemnizações", declarou a Petrobras num comunicado partilhado no
seu 'site'.A estatal brasileira
acrescentou ainda que a operação em causa "está alinhada à otimização do
portfólio e à melhoria de alocação do capital da companhia", visando a
"geração de valor" para os seus acionistas.O
valor de 24,7 milhões de reais resultantes da venda à Galp equivale a
apenas 11,1% do valor real a que teria direito a Petrobras, segundo a
Piauí, considerando a participação da estatal brasileira no património
líquido da BBB em 2018 (221,7 milhões de reais, cerca de 48 milhões de
euros).A venda das ações à companhia
portuguesa ocorreu no momento em que a BBB prevê iniciar uma trajetória
de lucro, com o final das obras nas fábricas onde o dendê será
processado.A Galp projeta um fluxo
financeiro de 108,3 milhões de euros com a BBB no primeiro semestre de
2020, segundo a revista brasileira.