Presidente do Supremo diz que Justiça não precisa de reformas estruturais, mas pontuais
4 de jun. de 2024, 21:08
— Lusa/AO Online
No
discurso da sua tomada de posse, que decorreu no Supremo Tribunal de
Justiça, em Lisboa, o juiz conselheiro João Cura Mariano afirmou que
“não é necessária uma reforma estrutural do poder judicial ou das
relações de equilíbrio que este mantém com os restantes poderes do
Estado”, considerando-o “uma harmoniosa construção constitucional que
deve permanecer incólume como garante seguro de um Estado de Direito
Democrático que queremos salvaguardar”.“A
urgência reside antes num conjunto de medidas setoriais e pontuais,
muitas delas nevrálgicas, que permitam que o sistema judicial responda
eficazmente, o que também significa, atempadamente, a todas as novas
exigências e desafios”, defendeu o novo presidente do STJ, na cerimónia
que contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de
Sousa e da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice.Para
Cura Mariano, “no topo das preocupações” está a revisão da legislação
que regula a entrada nas magistraturas, referindo que “não se
compreende” que o anteprojeto de revisão legislativa já aprovado pelo
Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários “não se tenha convertido
numa proposta de lei e dado entrada na Assembleia da República”,
alertando para o crescente desinteresse pela profissão e para o “ponto
de rutura” já atingido, com vagas por preencher “por não existirem
candidatos com as condições mínimas”.Sobre
os chamados ‘megaprocessos’, Cura Mariano lembrou que já estão
identificadas as alterações à lei “que contribuiriam para evitar o
protelamento excessivo do desfecho destes processos e que têm subjacente
uma finalidade de simplificação e de agilização processuais, sem que se
sacrifique o núcleo essencial das garantias de defesa dos arguidos”,
que devem ser acompanhadas por “medidas gestionárias robustas”, afetando
mais meios humanos e tecnológicos “proporcionais à complexidade dos
casos”.Cura Mariano disse que estes
processos “têm distorcido a perceção pública acerca da eficácia dos
tribunais judiciais” e mesmo reconhecendo que a sua existência
“constitui uma inevitabilidade decorrente do surgimento de uma
criminalidade económico-financeira sofisticada” apontou que “o seu
efeito nefasto na erosão da confiança dos cidadãos no sistema de Justiça
compromete todos os que intervêm na cadeia da criação e aplicação de
leis”.“Mas as reformas na justiça não
competem apenas aos outros”, alertou o juiz conselheiro, que apelou para
decisões nos tribunais “estruturadas, fundamentadas e redigidas de uma
forma clara, e que as mesmas, sempre que tenham ou devam ter repercussão
pública, sejam comunicadas de modo a que a generalidade dos cidadãos as
entendam”.“Não se espere credibilidade
sem transparência. Este é um caminho que nos cabe a nós, juízes, fazer.
Temos que abandonar o estilo barroco das nossas decisões, a que nos
conduziu uma cultura judiciária pretensiosa, e procurar, de uma forma
simples e clara, sem quebra do rigor jurídico, aplicar o direito ao caso
concreto de uma forma justa”, argumentou Cura Mariano.O
presidente do STJ assinalou que toma posse num momento em que a Justiça
“volta a estar na crista da onda discursiva, sob o signo da crise e da
desconfiança”, um fenómeno cíclico em 50 anos de democracia.“Estas
crises de credibilidade são habitualmente desencadeadas por
epifenómenos que funcionam como detonadores de um alarme social,
abalando a confiança em todo o sistema de justiça, apesar de
circunscritos a eventos processuais circunstanciais e muitas vezes até
estranhos ao funcionamento do aparelho judicial”, disse.Sobre
o tribunal superior a que desde hoje passa a presidir, Cura Mariano
frisou a constante jubilação de juízes dos quadros do STJ, explicada
pela idade com que os magistrados ascendem a este patamar, levando a que
a permanência dos juízes nesta instância seja “muito breve”.“É
uma realidade com tendência a agravar-se, até ao limite do caricato, se
nada for feito. Corremos o risco previsível de o STJ ser um Tribunal
onde a quem ele ascende vem apenas entregar o seu pedido de jubilação”,
alertou o juiz conselheiro, acrescentando que o rejuvenescimento dos
quadros do tribunal só acontecerá a breve prazo “com uma alteração
legislativa às regras de acesso ao STJ que constam do Estatuto dos
Magistrados Judiciais e, por isso, exigem a intervenção da Assembleia da
República”.Sobre o próprio papel do tribunal, Cura Mariano entende que é necessário “modificar o paradigma”.“Este
não pode continuar a funcionar como uma instância de recurso normal,
num sistema de tripla jurisdição. O tempo exigente das sociedades
modernas não admite que a resolução de um conflito, por regra, aguarde a
análise e a pronúncia de três instâncias distintas. O STJ deve, por
isso, limitar a sua ação à relevantíssima tarefa de uniformização da
jurisprudência e a emitir a última palavra nos casos em que a decisão
revista um excecional relevo jurídico ou social”, defendeu.No
discurso de posse deixou ainda elogios ao presidente cessante, o
conselheiro Henrique Araújo, a quem atribuiu um papel “fundamental na
defesa do prestígio” do STJ, e de quem recordou os alertas permanentes
para a necessidade de medidas para o bom funcionamento da Justiça, que
os poderes executivo e legislativo deixaram sem “o devido acolhimento”.