Presença norte-americana na Terceira transformou ilha numa 'litlle America'
12 de jun. de 2024, 16:54
— Lusa/AO Online
Esta é uma das conclusões do livro "Jazz, Golf e American Dream", da
investigadora e docente universitária Tânia Santos, que vai ser lançado
na quinta-feira. Natural da freguesia da
Agualva, na ilha Terceira, Tânia Santos é doutorada em História Insular
e Atlântica pela Universidade dos Açores e transformou em livro a sua
tese de doutoramento, denominada “O impacto social da presença
norte-americana na ilha Terceira, Açores, durante o período do Estado
Novo (1933-1974)”. Em entrevista à
agência Lusa, a historiadora começou por dizer que a presença
norte-americana na base das Lajes, que se oficializou em 1946, “foi um
fenómeno arquipelágico”. Segundo a
investigadora, durante aquele período assistiu-se aos “anos dourados da
presença estrangeira", quando ocorreram “as maiores transformações” na
ilha. “Chegam as forças estrangeiras a
uma ilha, fechada sobre si, desconhecendo-se para além das fronteiras
marítimas e, de repente, temos o sonho americano na ilha Terceira, que
acaba por impulsionar um conjunto de transformações nas mais variadas
áreas, desde as económicas às sociais, cultuais e até mesmo
linguísticas”, refere. Tânia Santos
constata que, “principalmente quem trabalhava na base das Lajes, acabou
por ter acesso ao ‘american way of life’ e a todas as transformações com
impacto mais direto”. Os primeiros
trabalhadores portugueses na base das Lajes após a presença
norte-americana “pertenciam às franjas mais vulneráveis” da população,
assegurando “trabalhos duros”, mas passaram a ter acesso a uma “maior
prosperidade e qualidade de vida”, afirmou.
A docente universitária aborda ainda no seu livro a questão das
adoções de crianças da ilha Terceira por famílias norte-americanas, que
ainda hoje “levanta muitas questões em termos éticos e morais, e também
em termos legais”. Na sua leitura, estes
“fenómenos foram impulsionados pela ânsia de fuga à pobreza e pela
estratégia migratória resultante dessa presença”.
Tânia Santos salvaguarda que não se pode falar “exatamente de adoções
ilegais, uma vez que as primeiras leis da adoção são de 1966”, sendo
que, até àquela data, “foi preciso criar mecanismos que, de alguma
forma, legalizassem essas saídas”, como os “termos de consentimento e
responsabilidade”, que eram reconhecidos em conservatória.
De acordo com a investigadora, "muitas crianças saíram da ilha
completamente indocumentadas, mas como filhos biológicos
norte-americanos, desconhecendo-se completamente o seu processo de
adoção”, e eram retiradas da Terceira por via dos aviões militares
estacionadas na base das Lajes. A
presença norte-americana potenciou também o casamento de jovens da ilha
com militares norte-americanos “devido ao fascínio da farda” e ao
“casamento com um bom partido”, além de esta ser uma forma de se emigrar
para os Estados Unidos, uma vez que a noiva "entrava completamente
legal”. Mais tarde, estas noivas ficavam
em condições legais de chamar para os Estados Unidos as suas famílias,
uma vez que na altura “estava associado à América (e ainda hoje)
qualidade de vida e prosperidade”. A
investigadora faz um balanço positivo da presença norte-americana, uma
vez que os açorianos tiveram acesso, naquela altura, a “uma certa
modernidade, prosperidade e abundância que os americanos partilhavam na
comunidade”, além do acesso privilegiado a cuidados de saúde de primeira
instância, por exemplo. “Era quase como
uma ‘litlle America, o que nos tínhamos”, conclui a investigadora, que
ressalva ter tido o “privilégio de viver o sonho americano na própria
ilha”. O livro "Jazz, Golf e American Dream" vai ser lançado na quinta-feira, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira.