PR diz que "passou o tempo" de juizes a acumular funções fora da magistratura
21 de out. de 2022, 16:46
— Lusa/AO Online
No
discurso de encerramento do XVI Encontro Anual do Conselho Superior de
Magistratura (CSM), que terminou hoje em Vila Nova de Gaia, o Presidente
da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que a tradição em Portugal
“era muito generosa” e “envolvia realidades muito díspares” de
acumulação de funções em que só mais tarde “se tinha a noção de que
podia haver um conflito de interesses”.Podem
ser funções, enumerou Marcelo Rebelo de Sousa, “sociais, culturais,
desportivas”, as “mais variadas para que cada qual exprimisse aquilo que
se considerava que devia ser lateral ao exercício do poder judicial”.“Esse
tempo passou, digo eu da ótica de quem tenha que vir a promulgar
diploma sobre essa matéria, não digo da ótica do que pensa o poder
judicial sobre a matéria ou da ótica do poder legislativo sobre legislar
ou não sobre ela”, disse o Presidente da República.O
chefe de Estado reconheceu que “há muitos exemplos” em que se diz ser
impossível que essa acumulação não aconteça, “tal a criatividade que
existe nas sociedades aos mais variados níveis”.“Onde
é que se para em termos sociais? De qualquer maneira é uma reflexão a
fazer nos casos mais óbvios de funções dificilmente compatíveis”, disse,
acrescentando que no que diz respeito à acumulação “tem vingado uma
orientação por iniciativa do próprio poder judicial e por compreensão de
todos os poderes do Estado no sentido de ser reduzida ao mínimo e
tender a desaparecer”.Sobre a rotação de
magistrados em cargos fora da magistratura, Marcelo Rebelo de Sousa
admitiu que a questão choca com direitos e liberdades, mas defendeu uma
reponderação.“Quanto à rotação, eu sei que
isso é respeitar a liberdade das pessoas, mas temos que admitir que há
um momento em que a liberdade das pessoas tem que ser reponderada à luz,
não direi da suspeição sobre a sua isenção e integridade pessoal, mas à
luz da imagem que deixa na sociedade em casos mais flagrantes”, disse.O
juiz conselheiro Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de
Justiça e, por inerência, do CSM, que falou antes do Presidente da
República, tem sido uma voz crítica daquilo que apelidou de “portas
giratórias” na Justiça, com a entrada e saída de magistrados para ocupar
cargos políticos, até como ministros.Sobre
a composição dos órgãos superiores da magistratura – o próprio CSM e o
congénere para os tribunais administrativos e fiscais – que a
magistratura pede que sejam compostos maioritariamente por juízes,
Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se favorável a essa pretensão, ainda que
não lhe pareça um imperativo constitucional.“O
que penso da matéria? Penso que não me parece obviamente
inconstitucional uma solução que passe por não haver a totalidade dos
membros destes conselhos eleita por juízes, não só porque isto foi
pacífico ao longo de décadas, [..] mas porque me parece excessivo dizer
que a independência do poder judicial implica necessariamente que todos
os membros dos dois conselhos superiores sejam eleitos por juízes”,
disse.O chefe de Estado referiu que a
“fórmula da lei portuguesa”, ao juntar nestes órgãos membros eleitos por
juízes e membros “eleitos por outros órgãos do poder político do
Estado” pretendia “contrabalançar” a “intervenção exclusiva dos juízes,
com o eco, através de outros poderes do Estado, do que seria a vontade
da sociedade”.Lembrou que, “por indicação”
do seu antecessor, Cavaco Silva, desingnou “não magistrados judiciais”
para os dois órgãos de cúpula da magistratura, o que depois veio a
corrigir “parcialmente” em relação ao CSM, permitindo um regresso à
maioria de membros juizes nesse órgão.“Tendo
a considerar – seja embora isso matéria da competência legislativa –
que talvez faça sentido que a maioria dos membros seja constituída por
magistrados judiciais. é uma questão em debate, é uma questão a ser
ponderada. Certo é que se assim não for, se não houver alteração
legislativa, naturalmente que um ponto a repensar é, no outro caso em
que não houve designação de magistrado, se possa repensar a
possibilidade de passar a haver maioria de magistrados”, disse o
Presidente da República.Já na abertura do
congresso dos magistrados, na quinta-feira, o vice-presidente do CSM, o
juiz conselheiro José Sousa Lameira tinha defendido a importância da
maioria de juízes neste órgão para a independência do poder judicial
que, podendo ter membros nomeados externamente, não pode ter os juízes
“representados em minoria no seu órgão constitucional de autogoverno”.
“A maioria de juízes é possível, como atualmente acontece, mesmo sem
qualquer alteração legislativa, se o Excelentíssimo Presidente da
República nomear um juiz conselheiro”, sublinhou.