Português detido quase um mês sem acusação na Guiné Equatorial foi libertado
4 de jan. de 2023, 17:53
— Lusa/AO Online
Nuno
Filipe Medeiros Pimentel foi levado no passado dia 09 de dezembro num
hotel da capital do país, Malabo, e conduzido por três homens - um dos
quais, Justino Nchama Ondo, diretor-geral das Obras Públicas do país e
sobrinho do Presidente, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo - a uma residência
privada, onde relatou ter sido espancado, e em seguida levado para uma
esquadra de polícia em Luba, uma pequena cidade a cerca de 50
quilómetros do local do sequestro, onde ficou detido sem acusação a
maior parte do tempo.Nuno Pimentel foi
levado de Luba para uma prisão nas dependências do Ministério da
Segurança, conhecida como 'Guantánamo', na passada quinta-feira, onde
foi chamado a relatar pessoalmente o seu caso ao ministro titular da
pasta, Nicolás Obama Nchama, assim como ao diretor-geral da Polícia
Nacional, Miguel Ndong Obiang Omomono, e a mais cerca de dez oficiais
superiores da polícia equato-guineense, de acordo com o próprio.Não
obstante o relato do caso às autoridades equato-guineenses, e a
garantia pessoal do diretor-geral da Polícia Nacional, Miguel Ndong, de
que o seu caso iria ter “desenvolvimentos” nos dias seguintes, Pimentel
ficou detido e apenas libertado no final de terça-feira.“Expliquei
o caso todo, a tortura, terem-me sequestrado, tudo o que me fizeram, os
maus tratos, tudo. Ter estado ilegal numa esquadra em Luba. Expliquei
também que o Governo me deve [350 milhões de francos cfa (cerca de 535
mil euros)], o dinheiro do barco e de várias coisas, que não me pagam,
disse tudo”, contou Nuno Pimentel.Na terça-feira, o empresário foi chamado a comparecer num tribunal de
Malabo e foi libertado, tendo sido aplicadas as medidas de coação de
termo de identidade e residência e de apresentação ao tribunal duas
vezes por semana. “Porque é que vou estar a
comparecer duas vezes por semana num tribunal, que delito cometi? Quem
cometeu um crime foram eles contra mim. Eles é que me torturaram, eles é
que me sequestraram, eles é que me roubaram o telefone, eles é que
roubaram um carro de minha casa, eu não fiz nada”, queixou-se Pimentel à
Lusa. “O advogado está a insistir para
ser informado [sobre a justificação da medida de coação], nada nos
passam, nada nos dizem”, acrescentou Pimentel.Por
outro lado, a mulher de Nuno Pimentel, Reina Pimentel, cidadã
equato-guineense, foi detida na quinta-feira da semana passada, e ainda
não libertada, por uma alegada falta de pagamento de um aluguer de um
veículo. “Aproveitaram e detiveram também
a minha esposa. Por um aluguer de um carro, quando nem eu nem ela
podíamos levantar dinheiro para pagar porque eu estava detido. Passou o
ano novo presa, pode dizer-se ‘sequestrada’. Não há qualquer razão que
justifique a detenção, há uma queixa sobre o pagamento de parte de um
aluguer de uma viatura. É incrível a corrupção que acontece na
administração deste país”, relatou. O caso
de Nuno Pimentel envolve o diretor-geral equato-guineense das Obras
Públicas, Justino Nchama Ondo, sobrinho do Presidente da Guiné
Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, e filho de Armengol Ondo Nguema,
irmão mais novo do chefe de Estado, durante muitos anos seu chefe da
segurança e considerado o homem mais influente do regime.No
dia 09 de dezembro, Justino Nchama Ondo “sequestrou” o empresário
português, com o apoio de dois homens, num hotel em Malabo, de acordo
com o texto de uma queixa de Pimentel ao Tribunal de Primeira Instância e
Instrução de Luba no passado dia 23, consultada pela Lusa.Nessa
queixa, Pimentel relata que foi “torturado”, tendo-lhe sido infligidas
“lesões graves”, e levado para Luba, onde foi deixado na esquadra
principal local. O empresário apresentou provas médicas das agressões a
que foi sujeito, comprovadas por uma médica do Hospital Jorge Gori, em
Luba, assim como fotografias de extensos hematomas nas costas e coxas, a
que a Lusa também teve acesso.Nuno
Pimentel solicitou nessa queixa ao tribunal de Luba a “detenção e
acusação dos presumíveis culpados dos delitos” descritos na peça
judicial - Justino Nchama Ondo, Felipe Esono Owondo e Roberto Nve -, e
ainda do comissário que dirige a esquadra principal de Luba.Segundo
a organização Associação Internacional contra a Corrupção (IAAC, na
sigla em inglês), o empresário português está a ser submetido a “atos de
tortura” por “se recusar a ceder às solicitações de corrupção e
pagamento de 'impostos revolucionários'” por altos quadros da
administração equato-guineense.A
organização não-governamental (ONG) de combate à corrupção com sede em
Paris é presidida por Joaquinito Maria Alogo de Obono, neto do
Presidente equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.De
acordo com Alogo de Obono, advogado especializado em direito
internacional e professor na Universidade de Paris X, que denunciou o
caso em declarações à Lusa, Nuno Pimental está a ser alvo de “extorsão”
num processo de corrupção “clássico e muito conhecido na Guiné
Equatorial”.A vida de Nuno Pimentel na
Guiné Equatorial começou a complicar-se, segundo o neto de Teodoro
Obiang - que expôs o caso a várias instituições internacionais e
instâncias diplomáticas – quando no final de 2021 tentou adquirir um
navio entregue à sucata pelo Estado equato-guineense.Já
depois de Nuno Pimentel pagar o valor pedido pelo navio (cerca de 534
mil euros), o ministro dos Transportes, Rufino Ovono Ondo Engonga,
evocou “irregularidades” na empresa do empresário português, Tropikal
Services, S.L., e exigiu-lhe mais 150 milhões de francos cfa (cerca de
229 mil euros) como condição para libertar o navio. Nuno
Pimentel recusou pagar e queixou-se à Presidência do país, que em carta
enviada ao seu membro do Governo em 27 de janeiro o instou a “suspender
a reclamação exercida contra a Tropikal Services S.L. exigindo um
montante adicional ‘post’ contrato de 150 milhões de francos cfa”, por
“ser um procedimento ilegal e contra a normativa jurídica em vigor”.O
ministro denunciou o contrato com Nuno Pimentel e vendeu o navio a um
investidor nigeriano, de acordo com o empresário português, que desde
então reclama, sem sucesso, a devolução dos 350 milhões de francos cfa
depositados na Tesouraria Geral do Estado em dezembro de 2021. A
carta dirigida a Teodoro Obiang “foi o maior erro” de Nuno Pimentel, na
opinião do presidente da IAAC. Desde então, o empresário foi espancado e
detido diversas vezes, incluindo numa das prisões com pior reputação em
todo o mundo, conhecida como ‘Black Beach’, em Malabo.