Portal 'e-fatura' levanta dúvidas sobre proteção da privacidade de contribuintes
28 de dez. de 2017, 10:05
— Lusa/AO online
Para
o primeiro diretor dos serviços do IRS do Fisco, Manuel Faustino,
trata-se de um sistema que, do lado dos contribuintes, "é muito pouco
transparente e está muito pouco aprofundada do ponto de vista dos seus
direitos e das suas garantias", sobretudo depois da reforma do IRS de
2014.É que o
decreto-lei que criou o 'e-fatura' em 01 de janeiro de 2013 introduziu
uma dedução por exigência de fatura a que os contribuintes singulares
poderiam ter direito se optassem por indicar o número de identificação
fiscal (NIF) na fatura de serviços de setores considerados de risco,
como a restauração e hotelaria, os cabeleireiros e a reparação de
veículos.Em
causa estava a possibilidade de deduzir 15% do IVA suportado com as
despesas nestes setores em sede de IRS, até um limite máximo de 250
euros.Manuel
Faustino diz que se tratou de "um benefício" relativamente ao qual os
contribuintes "tinham escolha", na medida em que, se quisessem
beneficiar deste incentivo, indicavam o NIF, mas, caso contrário, não o
indicavam.Para
o especialista em IRS, esta formulação "não prejudicava o quadro da
dedutibilidade das outras despesas do regime jurídico em vigor", tal
como a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) tinha recomendado
num parecer de 2012.Nesse
ano, antes do lançamento do 'e-fatura', o governo de então pediu à CNPD
que se pronunciasse sobre o projeto de decreto-lei que iria criar
medidas de controlo da emissão de faturas e a criação do incentivo
fiscal à exigência de faturas pelos contribuintes.No
parecer, a CNPD considerou que estava em causa "um tratamento de dados
pessoais sensíveis porque atinentes à vida privada dos cidadãos" e que
era "essencial garantir que o contribuinte singular que opte por não
fornecer o seu NIF ao emitente da fatura, por motivos legítimos como a
salvaguarda da sua privacidade, não possa ser de algum modo penalizado
em relação às vantagens que tem vindo a obter ao abrigo do regime
jurídico vigente".No
entanto, e tal como atesta o último relatório sobre o combate à fraude e
evasão fiscais, "a partir do dia 01 de janeiro de 2015, com o novo IRS,
apenas as faturas com NIF passaram a ser consideradas para as deduções
em sede de IRS", uma situação que Manuel Faustino diz ter sido uma
"mutação extremamente significativa" e "contrária à letra e ao espírito
da lei da proteção de dados".Recordando
que a CNPD não foi chamada a apreciar o diploma da reforma do IRS, o
fiscalista entende que, tendo em conta este parecer de 2012, aquela
comissão "jamais poderia concordar com esta opção" porque,
"legitimamente, o contribuinte tem direito a não dar o seu NIF, mas
também tem o direito de não ficar prejudicado em relação à
dedutibilidade das despesas" que pode abater no IRS.Contactada
pela Lusa, fonte oficial da CNPD referiu que "apenas são registadas no
'e-fatura', associadas a um determinado contribuinte, as faturas em que é
aposto o NIF", podendo o contribuinte "solicitar a emissão de fatura
como consumidor final, isto é, sem registo do NIF".Além
disso, a entidade nota que, como há um limite máximo às deduções
anuais, "o contribuinte pode gerir e escolher quais as faturas em que
pretende a introdução do NIF".A
mesma fonte indicou que, em 2013, após "várias queixas recebidas",
verificou que "estavam a ser processados pela AT [Autoridade Tributária]
mais dados do que aqueles que eram necessários", pelo que "ordenou à AT
a tomada de um conjunto de medidas para corrigir a situação". Numa
segunda ação fiscalizadora, concluiu que "foram cumpridas as
determinações da CNPD".Desta
forma, a comissão atesta que, "neste momento, a informação que está
visível no 'e-fatura' corresponde à informação tratada pela AT", o que
significa que "não é registado o detalhe dos consumos feitos, mas apenas
o valor pago, o montante do IVA e a entidade a quem se pagou" e "apenas
se o consumidor decidir que o NIF é colocado na fatura".O
fiscalista Manuel Faustino aponta ainda "outra falta gravíssima" no
'e-fatura' quanto à proteção de dados: quem tem acesso a estas
informações, considerando que esta situação "é um bocado difusa".Em
2012, a CNPD recomendou que o diploma "deveria claramente prever uma
separação lógica da informação pessoal relativa a cada transação, com
acesso limitado aos funcionários com tarefas inspetivas", mas a opção do
legislador foi seguir o disposto na Lei Geral Tributária (LGT).A
LGT, por sua vez, determina que a AT deve "adotar as medidas de
segurança necessárias relativamente aos dados pessoais comunicados para
impedir a respetiva consulta ou utilização indevida por qualquer pessoa
ou forma não autorizada" e também "garantir que o acesso aos dados
pessoais está limitado às pessoas autorizadas no âmbito das suas
atribuições legais", sem, no entanto, restringir este acesso
explicitamente aos inspetores tributários.