Poiares Maduro admite interrupção da legislatura a confirmarem-se interferências de Costa no Banco de Portugal
24 de nov. de 2022, 11:57
— Lusa/AO Online
"Numa
democracia evoluída — basta ver o que se passou no Reino Unido e
noutros [países] —, a confirmar-se que um primeiro-ministro tenha
interferido nos poderes de uma autoridade independente, isso poderia ser
razão suficiente para colocar em causa a continuação das suas funções",
sustenta o ex-dirigente social-democrata em entrevista ao Público e à
Rádio Renascença publicada esta quinta-feira.O
ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional do governo chefiado
por Pedro Passos Coelho comenta na entrevista a polémica em torno das
acusações do ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa ao atual
primeiro-ministro de que tentou interferir na sua atividade para que não
retirasse a empresária angolana Isabel dos Santos do BIC. Este caso
levou o PSD a enviar um pedido de esclarecimento ao primeiro-ministro e a
fazer depender das respostas uma comissão parlamentar de inquérito.Comentando
as "alegações nesse sentido" do ex-governador, Poiares Maduro conclui:
"Há circunstâncias que, do meu ponto de vista, devem levar à interrupção
da legislatura". "Se o primeiro-ministro
acha que as leis são inadequadas para resolver os casos da senhora
Isabel dos Santos ou de quem seja, mude a lei. Mas não tem de andar a
negociar acordos debaixo de um manto de secretismo, independentemente de
a boa vontade e de os objetivos não serem perversos de alguma forma.
Mas será perverso no funcionamento da nossa democracia e do nosso
Estado", argumenta.À questão se António
Costa tem a "mesma conceção" de "poder absoluto" de José Sócrates, o
professor universitário responde afirmativamente, considerando ser essa
postura do atual primeiro-ministro que o leva a colocar em causa a
independência de entidades que são independentes por uma razão: não
serem suscetíveis de tomar decisões em determinadas matérias por
oportunidade política". O ex-dirigente
social-democrata e coordenador do atual projeto de revisão
constitucional do partido admite, contudo, que "o primeiro-ministro,
muitas vezes, se calhar até pode ser que o faça imbuído das melhores
razões, mas isso tem um efeito absolutamente perverso no funcionamento
do nosso sistema democrático".Na
entrevista ao Público e à RR, Poiares Maduro critica a deslocação do
Presidente da República, presidente do parlamento e do primeiro-ministro
ao Qatar para assistirem aos jogos da primeira fase do Campeonato do
Mundo de Futebol."Acho lamentável", assume
o ex-ministro, alegando que "Portugal tem de ter relações diplomáticas
com todos os Estados, incluindo com o Qatar e muitas outras autocracias,
mas não tem que ser cúmplice". "E os seus chefes de Estado e chefes de
Governo não têm de ser cúmplices com esta estratégia de reforço de
capital e promoção de um regime autocrático, associando-se a um evento
desportivo desta natureza. Isto não tem nada a ver com relações
diplomáticas. E, nesse contexto, o chefe de Governo, o chefe de Estado
português, ainda vão ao evento?, questiona.Poiares
Maduro, que coordenou o projeto de revisão da lei fundamental do PSD,
defende ainda que "a Constituição não pode permitir ao parlamento que
seja o parlamento a decidir qual é a agenda de viagens do Presidente da
República".Para o ex-ministro, a consta da
lei fundamental é "uma norma-travão para situações em que o Presidente
possa abusar das competências que também tem em matéria de relações
externas para se intrometer nas competências de outros órgãos de
soberania"."Acho estranhíssimo que se
esteja a transformar isto numa questão sobre saber se o parlamento devia
ou não autorizar" a ida de Marcelo Rebelo de Sousa ao Qatar.Sobre
o PSD, o ex-dirigente afirma que o seu papel é "contribuir
intelectualmente para o partido com ideias", mantendo-se assim ativo.
"Não tenho qualquer tipo de expectativa, nem de previsão de exercer
qualquer outro tipo de funções", acrescenta.