Autor: Nuno Martins Neves
“Se temos uma fileira do leite, porque não temos uma fileira da música?”. A pergunta é de Aníbal Raposo, músico açoriano que aos 69 anos de idade possui uma visão particular sobre a cultura que se faz nos Açores. Reformado há 1 ano, dedica-se às artes da cultura que mais gosta, da música à pintura passando pela...agricultura.
Na véspera de apresentar o seu mais recente espetáculo, “Luz do Tempo” (ver caixa), uma produção em que investiu muito “tempo e trabalho”, Aníbal Raposo reflete sobre a falta de uma política cultural nas ilhas açorianas e como os diferentes agentes podem inverter a situação, “não para mim, mas para esta as novas gerações que estão a fazer música lindíssima e de grande qualidade”.
Foi precisamente pelo trabalho que envolveu preparar o espetáculo que vai subir ao palco do Teatro Micaelense este sábado que o músico açoriano considerou que “falta uma visão” da cultura nos Açores.
“Este é um problema que temos nos Açores. Um espetáculo deste tipo, com muitas pessoas em palco, é uma pena a quantidade de horas e de trabalho para fazer apenas um espetáculo, uma vez. Eu digo isso em muitos lados: quando há uma proposta de um espetáculo destes, ele devia ir às principais salas de espetáculo dos Açores, para partilhar com as outras pessoas, aproveitar o investimento que foi feito”.
Defende Aníbal Raposo que “os públicos também se criam” e que as várias salas de espetáculo nas nove ilhas podiam criar uma espécie de roteiro para os músicos açorianos. “Devia haver uma maior interligação entre as maiores salas de espetáculo, para garantirem durante o ano alguma rotação de alguns espetáculos, para as coisas acontecerem. É preciso criar um circuito que ainda não está criado”.
Para o músico, isso iria dar-lhes a “rodagem que necessitam. Eles [os músicos] precisam de fazer esta rodagem, para terem mais visibilidade e para as pessoas acreditarem mais na nossa produção local. Numas ilhas que têm músicos por todo o lado. Se há riqueza que temos nos Açores, é a quantidade e qualidade dos nossos músicos”.
Daí a pergunta com que este texto começou: “Criamos circuitos para escoar o queijo, o leite... as chamadas fileiras. Mas podíamos ter a fileira da música. Temos músicos e compositores para isso”.
Entre os vários nomes que despontam na música açoriana que hoje está a ser feita, Aníbal Raposo destaca, “correndo o risco de me esquecer de algum”, artistas como Sara Cruz, João Moniz, Cristóvam, João da Ilha. E Carmen Raposo, sua filha, com quem vai partilhar o palco este sábado.
“É um prazer tocar com ela, vai ser a primeira vez que vai pisar um palco como o Teatro. Não tenho receio nenhum, pois a Carmen está a fazer o seu percurso. Ela, como outros cantautores que temos nos Açores”.
Para um homem que começou na música há cinco décadas atrás, então com 16 anos, ver a nova geração surgir “é ótimo, pois sinto que as coisas vão fluindo. Esta nova geração tem outros meios de divulgação, que tentam aproveitar as poucas oportunidades que têm.Mas falta aqui qualquer coisa para criar um movimento, em relação à música açoriana”.
Aníbal Raposo leva “Luz do Tempo” ao Teatro Micaelense este sábado
Chama-se “Luz do Tempo”, nome do último álbum de originais mas também do espetáculo que vai levar este sábado, dia 17 de junho, às 21h30, no Teatro Micaelense. Em palco vão estar temas desse álbum, mas também de Falas e Afetos, disco escrito durante a pandemia. Um total de 14 temas que vão ser tocados por Aníbal Raposo e a sua banda, composta por Paulo Vicente nas teclas, Mike Ross no contrabaixo, Romeu Presunça na percussão, Lázaro Raposo na bateria, Eduardo Botelho e Paulo Bettencourt nas guitarras, com direção musical de Cristóvão Ferreira.
Terão como convidados Carmen Raposo, a violoncelista Natália Ferraz e Gonçalo Filipe de Sousa, “um grande músico do nosso país, que só para o ouvir vale a pena ir ao Teatro”, diz Aníbal Raposo.
“É um espetáculo em que investimos muito tempo e trabalho, espero que o público reaja a este tipo de propostas. Vamos cantar música de texto, poesia de Natália Correia, de Mia Couto, de Paulo Leminski, de Vinicius de Moraes e poemas da minha autoria.
Estilos variados, mas toda a música com boa palavra no texto”, acrescenta.
Uma produção que, afirma, gostaria de levar a outros pontos dos Açores, “pelo investimento que foi feito”.