Pesca, turismo e transportes geram 86% dos impactos no ecossistema marinho

Hoje 09:38 — Ana Carvalho Melo

Estudo mostra que os setores da pesca, do turismo e do transporte marítimo são responsáveis por mais de 86% dos impactos no ecossistema marinho da região.​Intitulado “Remoto mas não isolado: uma avaliação integrada do ecossistema marinho dos Açores”, o estudo realizado por investigadores do Okeanos da Universidade dos Açores, sob a liderança dos investigadores Inês Gomes e Pedro Afonso, consistiu na avaliação integrada do ecossistema marinho, reunindo e analisando diversos estudos isolados com o objetivo de avaliar o ecossistema de uma forma mais holística.​“Esta Avaliação Integrada do Ecossistema procura montar esse puzzle e oferecer um retrato global do estado do ecossistema, avaliando todos os setores com impacto no mar e as diversas pressões que exercem”, explicou ao Açoriano Oriental a investigadora Inês Gomes, do Instituto Okeanos da Universidade dos Açores.​Segundo a investigadora, o estudo, financiado pelo programa de investigação e inovação Horizon 2020 da União Europeia (MISSION ATLANTIC), mostra que os setores da pesca, do turismo e do transporte marítimo são responsáveis por mais de 86% dos impactos no ecossistema marinho da região, sobretudo através da extração de espécies, de capturas acessórias, da introdução de contaminantes, espécies invasoras, lixo marinho e ruído.Assim, é revelado que a extração de espécies representa o risco mais elevado (cerca de 35% do total), seguida pelas capturas acessórias (25%).​Estas duas pressões são particularmente impactantes devido aos seus efeitos agudos, resultando frequentemente em morte direta ou imediata.​As restantes pressões, derivadas de contaminantes, espécies invasoras, lixo marinho e ruído, são descritas como impactos mais crónicos, que causam danos ao longo do tempo em vez de morte imediata.​Inês Gomes salienta ainda que, apesar de ocuparem menos de 1% da área da Zona Económica Exclusiva (ZEE) dos Açores, as zonas costeiras concentram mais de metade destes impactos, incidindo em particular sobre habitats rochosos pouco profundos, peixes demersais costeiros e elasmobrânquios, apontados como alguns dos componentes mais vulneráveis do ecossistema.​“Embora a parte costeira seja uma parte ínfima da grande ZEE que os Açores têm, sofre bastante pressão no meio marinho. E esta pressão tem a ver com a pesca, com o turismo e com o tráfego marítimo”, explica, realçando que esta alta vulnerabilidade se deve à concentração de atividades humanas nestas áreas.​Face a estas constatações, a investigadora do Okeanos, Inês Gomes, alerta para a crescente pressão sobre o ecossistema marinho dos Açores à qual se somam os impactos cada vez mais evidentes das alterações climáticas, e sublinha a necessidade urgente de manter e reforçar os programas de monitorização, sob pena de se perderem “peças do puzzle” essenciais para uma gestão informada do oceano.​“Se nós perdemos a capacidade de fazer uma avaliação no tempo destes componentes, perdemos a peça do puzzle que nos permite saber como é que eles estão a evoluir. E essa informação é importante para priorizar. Nós se calhar não temos capacidade nem logística nem financeira, a nível de região, para monitorizar tudo sempre. Portanto, temos de fazer uma priorização e este tipo de análise permite dizer, neste momento, consoante a vulnerabilidade e os impactos que estão a ocorrer, onde é que deveríamos ter concentrada a nossa ação”, refere.​Questionada sobre os riscos da interrupção da monitorização, situação denunciada na semana passada pelos coordenadores dos Programas de Monitorização Marinha e Apoio à Decisão, devido à ausência de garantias de financiamento por parte do Governo Regional dos Açores, a investigadora sublinha que, num contexto de alterações climáticas, aumento do turismo e crescimento da economia azul, reduzir ou interromper a monitorização teria consequências graves, quer para a saúde dos ecossistemas, quer para o cumprimento das obrigações de reporte da Região Autónoma dos Açores perante as diretivas europeias.​Realça ainda que para além de permitir uma leitura em “tempo real” da evolução do oceano, estes programas são fundamentais para priorizar esforços e recursos em conservação, ajudando a definir, em articulação com o Governo Regional, que habitats e setores devem ser alvo de medidas de gestão mais urgentes. A continuidade destes programas é determinante para salvaguardar a sustentabilidade marinha dos Açores e reforçar o prestígio da Região como exemplo de gestão marinha apoiada na melhor ciência disponível.