Personagens criadas com plástico recolhido em praias em exposição no LU.CA em Lisboa
10 de jan. de 2020, 10:47
— Lusa/AO Online
Formado em
design gráfico, Ricardo Nicolau sempre teve “a paixão do desenho, da
pintura e, principalmente, do mar e da Natureza”. O trabalho que
apresenta na exposição “Bonecos Salgados”, patente no LU.CA – Teatro
Luís de Camões, no âmbito do ciclo +Azul, surgiu quando decidiu juntar a
“expressão artística com uma preocupação ambiental” e “usar um material
tão valioso, o plástico, usado irresponsavelmente”, para fazer arte.Em
“Bonecos Salgados” há isso mesmo, bonecos, rostos de personagens
criados com pedaços de plástico que Ricardo recolhe em areais, sobretudo
perto do Porto, onde vive, e que utiliza tal como estão, sem os cortar
ou partir.“[Ao criar rostos e figuras]
interessa-me o exercício de autoconhecimento e de nos vermos a nós
próprios, não só enquanto indivíduos mas também enquanto espécie. De
percebermos o nosso lugar aqui no planeta, que fazemos parte de um
grande ecossistema vivo e que temos que ter cuidado porque estamos a
afetá-lo com o nosso ego enquanto espécie”, explicou à Lusa, durante a
montagem da exposição.Um dos rostos, por
exemplo, foi construído com tampas de bidons de gasolina, tampas de
latas de tinta, um pedaço de um carrinho de supermercado –- “parece que é
um divertimento entre os jovens universitários atirar carrinhos para
dentro dos rios" -– e “objetos que são difíceis de identificar,
'tupperwares' ou brinquedos de praia que as crianças enterram na areia
-- ficam lá e no inverno vêm as ondas e desenterram tudo --, tampinhas, e
material de pesca”.Em 20 anos de recolhas
em areais já encontrou de tudo, “desde drones a dentaduras, vai tudo
parar à praia – as sanitas vão dar ao mar e há muitas coisas que caem”.“Os
cotonetes, que ainda se usam -- e nas ETAR [Estações de Tratamento de
Águas Residuais] eles são obrigados a abrir para deixar aquilo sair -- e
as toalhitas dos bebés são problemas graves; o esferovite... mas
encontra-se de tudo nas praias”, reforçou.Ricardo
Nicolau acaba por organizar alguns objetos em ‘coleções’ e tem uma com
“mais de 200 cabeças de bonecas, que é uma coisa que aparece muito”.A
par do problema do plástico que aparece nas praias, Ricardo Nicolau
alerta para “o facto de o plástico se partir e se tornar um
microplástico que, aí sim, vai envenenar todo o ecossistema”.“Os
biólogos explicam porque é que os animais estão mortos na praia, porque
estão com a barriga cheia de plástico, que confundem com comida. São
coisas que basta ir à praia para ver que estão aí e que estão, sem
dúvida, a piorar”, salientou.Na exposição,
além das figuras há também duas estantes onde foram colocados vários
objetos, entre os quais um frasco de protetor solar e cordas de pesca,
tal como foram encontrados no areal.Todos
esse objetos foram recolhidos por Ricardo Nicolau perto do Cabo da Roca,
esta semana. Lembrando que “a parte principal neste trabalho é limpar”,
o artista contou que, quando chegou a Lisboa, contactou Ricardo Ramos,
do projeto Xico Gaivota, e combinaram uma sessão de limpeza, para “assim
completar a exposição com lixo apanhado cá”.“Entre
descer e subir [as rochas, com recurso a cordas] foi meia hora de
recolha. São praias inacessíveis, por isso o lixo acumula”, contou.Nas
estantes, os objetos foram agrupados por cores, numa delas ficaram os
que têm tons verdes e azuis e, na outra, os laranjas e vermelhos. E há
uma razão para tal ter acontecido.“Há esse
lado do plástico, que é como quando vamos ao supermercado, [têm] sempre
cores muito fortes. E eu, como artista, gosto muito de pintar cores e
fazer paisagens também [e] outro tipo de trabalhos, usando essas cores,
que são quase como brinquedos, para nos estimular a mente”, referiu.Na
exposição, esse agrupamento por cores “também serve como uma ironia”.
“Nós, enquanto espécie, se calhar também somos um bocado crianças,
porque fazemos birra e porque queremos ter conforto e consumir
irresponsavelmente e não temos juízo, não crescemos, estamos a precisar
de crescer mais”, disse Ricardo Nicolau.No
local onde está a exposição foram também colocados uns bancos, feitos a
partir de grades para transportar garrafas ou caixas, que inicialmente
foi decidido colocar à porta do teatro.Mas,
como alguém podia achar que se tratava de lixo colocado na rua e não em
contentores, como se vê com alguma frequência, acabaram por ficar
dentro de portas.“Bonecos Salgados”, de
entrada livre, fica patente no Entrepiso do LU.CA até 02 de fevereiro,
data em que termina o ciclo "+Azul", dedicado ao planeta Terra e que
inclui debates, passeios a jardins, oficinas, cinema e leituras
encenadas.