Pelo menos um golfinho morre por dia em Portugal nas redes de pesca, diz investigadora

29 de fev. de 2020, 12:52 — AO Online/ Lusa

Questionada pela Lusa, a investigadora disse que, pelos dados que a Universidade teve em 2019 esse número é real e até conservador, pelo menos em relação à região norte e centro, área de ação da investigação do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), da Universidade de Aveiro.Catarina Eira falava à Lusa a propósito da carta que esta semana a Comissão Europeia enviou aos ministros do mar de 22 estados, incluindo o de Portugal, a pedir solução para as capturas acidentais de golfinhos e outros animais marinhos nas águas comunitárias.“Escrevi aos ministros […] de 22 estados-membros da UE sobre a questão das capturas acidentais de golfinhos e de outros animais marinhos nas águas da UE, especialmente no Golfo da Biscaia e no Mar Céltico, para instá-los a colaborar na busca de uma solução para esta situação”, indicou o comissário europeu do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius, numa declaração publicada no ‘site’ do executivo comunitário.Na declaração o comissário observou que, em toda a UE, “os níveis de capturas acidentais são inaceitáveis”, podendo levar à “extinção de populações locais de espécies protegidas”.A especialista portuguesa diz que a Universidade recolheu no ano passado cerca de 320 golfinhos, só no Norte e Centro do país, e que a situação portuguesa nem sequer é das piores.Esta semana, por exemplo, foi divulgado que 670 animais, a maior parte golfinhos, foram recolhidos nas costas francesas só nas seis primeiras semanas do ano, numa contabilidade da organização ambientalista Pelagis. Os ambientalistas dizem que a culpa é das redes de pesca. Em 2019, nas costas de França, foram encontrados 11 mil golfinhos mortos.Em Portugal não há dados oficiais globais mas há números que resultam do projeto LIFE+MarPro, de conservação de espécies marinhas protegidas em Portugal, criado nomeadamente nas “importantes taxas de captura acidental registadas nas pescas portuguesas”.Catarina Eira explica que se chama captura acidental porque o golfinho não é a espécie alvo de pesca. Mas ficar preso nas diversas artes de pesca sempre aconteceu e é “muito frequente”.“Temos contabilizado animais que chegam já mortos às praias” e nas análises conseguimos identificar a causa de morte, que na maioria é devido a “captura acidental”, diz. E essa captura acontece em qualquer arte de pesca, seja nas redes de emalhar, de cerco ou na arte xávega.Através do projeto LIFE a Universidade estimou taxas de captura acidental e quais as redes mais perigosas para os animais. As redes de emalhar são, concluiu a investigação, as mais perigosas.E entre as várias espécies de golfinhos que ocorrem em Portugal o boto é a que mais a preocupa. “Se a taxa de mortalidade não diminuir prevemos a extinção na costa portuguesa nos próximos 20 anos”, diz Catarina Eira, que explica que o golfinho-comum tem a maior taxa de captura e mortalidade, muito acima de outras espécies como o golfinho riscado ou o roaz.Também na página do projeto LIFE se fala do “caso crítico” do boto, com dados com referência a 2015 a dizerem que 8,4% da população de Portugal continental era enrolada nas redes todos os anos, “um valor inadmissível em função dos 1,7% máximos recomendados”. E estimava-se que o golfinho-comum podia ter uma mortalidade de mais ou menos 3.400 indivíduos por ano.“É comum na pesca haver golfinhos nas redes. No ano passado, trabalhando só no Norte e Centro, recolhemos cerca de 320 golfinhos. Destes, não conseguimos determinar a causa de morte em todos (…) mas a captura acidental chega normalmente aos 70%”, afirmou.A especialista alertou também que as redes nem sempre são utilizadas de forma legal, o que pode ser responsável por “boa parte da captura acidental”, e admitiu que soluções para o problema da captura acidental que não ponham em causa a pesca não são fáceis. E têm sempre de envolver os pescadores.Foram já feitos testes com um tipo de redes mais facilmente detetadas pelos golfinhos, mas foram abandonados porque diminuíam a quantidade de pesca, e estão a ser testados equipamentos (“pingers”) que emitem um som que afasta golfinhos sem ser prejudicial. Mas a implementação não é fácil.Catarina Eira, investigadora e bióloga, autora de dezenas de artigos científicos, especialista em biodiversidade e ecologia marinha, salienta que os “pingers” não resolvem o problema todo e volta à questão da conservação. “Há espécies com problemas de conservação. No boto o número de fêmeas que chega à idade reprodutora é baixo, 70% das fêmeas que morrem são juvenis”.Em janeiro do ano passado foi criada uma área de conservação de cetáceos, que faz parte da rede Natura 2000 e que compreende uma faixa entre Ovar e Marinha Grande, e foi alargada uma faixa de conservação no sudoeste alentejano, sugestões do projeto LIFE.“A área foi legalmente aprovada, o plano de gestão para as duas áreas foi aprovado, mas desde aí não foram aplicadas medidas de conservação que estavam definidas nos planos”, lamenta Catarina Eira, afirmando que a única ação foi a aplicação de ‘pingers’ em redes de arte xávega na praia da Vieira.Com a ameaça dos pescadores sempre presente não terão os golfinhos problemas também resultantes das alterações climáticas? Catarina Eira diz que não, que são animais com “grande capacidade de adaptação” e que as análises mostram que as presas principais vão variando.Por agora andam a consumir tainhas, e também desde o ano passado biqueirão. “A população está a adaptar-se às alterações que estão a acontecer na zona”, resumiu.