Participação política das mulheres ainda esbarra em obstáculos
20 de ago. de 2020, 08:34
— Lusa/AO Online
A “dimensão do abandono feminino é muito
visível em setores masculinizados como é o caso da política. O sistema é
muito adverso à permanência” das mulheres, ressalva a secretária de
Estado para a Cidadania e a Igualdade. A
propósito da escolha, ainda em ditadura, de Maria Teresa Lobo para
subsecretária de Estado da Saúde e Assistência, Rosa Monteiro traçou a
evolução da igualdade na política: A mulher ainda está sujeita a “um
maior escrutínio, na forma como se apresenta, no que se exige dela, no
seu desempenho” e a comunicação social não faz “tanto eco” da sua “ação e
opinião”, mas mais do facto de ser mulher. “A única via são as
políticas de ação positiva para derrubar estas representações. Isto é um
problema de jogo de poder”, sustenta. Alexandra
Silva, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM),
concorda que "persiste uma sobre representação masculina”, que seria
pior caso não tivesse sido aprovada uma Lei da Paridade em 2006. “A
participação das mulheres era francamente baixa até 2006, andava, nos
melhores tempos de governos, perto dos 10 por cento. Atualmente, este é o
Governo com maior paridade, com 38,6 por cento de mulheres, enquanto
ministras e secretárias de Estado”, nota, em declarações à Lusa.Em
2019, a PpDM fez uma análise sobre a participação das mulheres desde
1974 e concluiu que dos 1.970 governantes, 1.776 eram homens e 194 eram
mulheres (9,8 por cento). Se se mantiver um aumento idêntico ao que se
assistiu entre o primeiro e o segundo governos de António Costa (subida
de quatro pontos percentuais), “daqui a três governos conseguiremos
alcançar os 50 por cento”, realça, não acreditando, porém, que tal
aconteça.Os maiores desafios no espetro
político são os poderes presidencial – nunca uma mulher foi Presidente –
e local, “não porque não existam mulheres nos vários locais, porque
elas existem, mas porque existe alguma dificuldade de as mulheres
integrarem as listas”, destaca Alexandra Silva, frisando que "o número
de mulheres é importante, mas igualmente importante é que a igualdade
esteja na sua agenda política".Rosa
Monteiro corrobora, recordando as “grandes resistências de senhores” a
alteração à Lei da Paridade, em 2018, que passou a não permitir que se
pagasse “para infringir a lei”, ou seja, que uma coima pudesse
substituir uma mulher numa lista. “Nas autarquias isto vai ser
impossível, porque não há mulheres”, ouviu ela dizer, qualificando essa
retórica do poder local como “enganadora”. “São as mulheres que levam
aquelas comunidades para a frente”, contrapõe.“Os
partidos têm de se abrir para não tratarem as mulheres como
epifenómenos, que não chegam a pertencer à rede, que reage mal a quem
vem de fora, porque (…) funciona numa lógica de competitividade por
lugares e por acesso ao poder”, frisa.No
que toca à paridade, “o poder local é o que está pior”, assim como é o
setor empresarial local o que menos evoluiu na representação de ambos os
sexos na economia. “As redes de poder e de influência são aí ainda mais
fechadas. E é ai que tudo começa”, recorda Rosa Monteiro, dando o seu
próprio exemplo: “Eu, que fui vereadora, sei bem o que é ter de tratar, e
querer tratar, certos temas e ser muitas vezes olhada (…) como a
feminista, a defensora dos ciganos, a defensora desta causas que ‘não
são os grandes temas’ da gestão autárquica.”O
poder local está também “menos sob escrutínio”, assinala, recordando
“expedientes” como o dos presidentes de câmara que atingiam o limite de
mandatos, faziam concorrer as esposas e depois elas resignavam e eles
voltavam ao cargo.É preciso “repensar as
estruturas autárquicas, as reuniões, o horário das reuniões, o tempo das
reuniões”, enumera Alexandra Silva, lembrando que no poder local é
frequente os cargos serem desempenhados em paralelo com as profissões, o
que “é particularmente difícil para as mulheres”, que já têm de
conciliar o trabalho com a vida familiar.Rosa
Monteiro reconhece que a revisão da Lei da Paridade, em 2018, “foi uma
grande frustração”, porque a Assembleia da República rejeitou um
mecanismo proposto pelo Governo “que garantia um aumento efetivo de
mulheres”: A paridade nos dois primeiros lugares das listas.Alexandra
Silva lamenta que Portugal não tenha respondido às recomendações
internacionais que defendem o aumento do limiar de paridade para 50/50.
“Ficámos nos 40, ficamos sempre um bocadinho aquém”, lamenta. Faltou
ainda que a lei impusesse que, “quando uma pessoa deixasse de estar no
lugar, fosse substituída por outra do mesmo sexo”, o que a PpDM
defendeu.Em 22 de agosto passam 50 anos
desde a entrada de Maria Teresa Lobo no Governo de Portugal, era
presidente do Conselho Marcello Caetano. No vídeo da tomada de posse,
disponível nos arquivos da RTP, Maria Teresa Lobo refere “o facto de ser
a primeira mulher no Governo português”, considerando “desnecessário”
apontar “a transcendência de tal acontecimento”. Enquadrada
na ideologia do Estado Novo, Maria Teresa Lobo, que ocupou o cargo
entre 1970 e 1973, descartava pretensões a uma “igualdade libertária”,
vincando que “a Mulher, fundamentalmente, se realiza (…) na
autenticidade da sua vocação familiar”. Meio
século volvido, e aparte as diferenças de discurso e abordagem, ainda
não se pode dizer que há uma igualdade de oportunidades para mulheres e
homens na política.