Parecer alerta para eventuais prejuízos para o Estado se Fundação Berardo for extinta
3 de jun. de 2022, 16:33
— Lusa/AO Online
O documento com a
posição do Conselho Consultivo, presidido por Artur Santos Silva,
noticiado pelo jornal Público, pede ponderação neste processo, que
também poderá ter impacto na Coleção Berardo, à guarda do Estado.“Existe
incerteza em relação aos efeitos de um ato administrativo de extinção,
designadamente decorrente da liquidação do património da [Fundação José
Berardo] FJB, assim como aos efeitos de eventual insolvência para os
interesses do Estado, incluindo sobre a ´Coleção Berardo´”, apontou o
documento.O parecer do CCF data de 03 de março, mas só agora foi publicado no portal do Governo.Neste
caso, o CCF avaliou o desempenho e atividade da FJB e concluiu que tem
sido “diferente dos estatutos a que se propunha” de forma “reiterada” e
“voluntária”, apontando “factos muito graves” na sua atuação.No
documento, o CCF defende que as ações devem ir além das apenas
administrativas, devendo “suscitar também o necessário e urgente
apuramento de responsabilidades financeiras e criminais” na atividade da
fundação do colecionador e empresário, com sede no Funchal, na Madeira.No
entanto, o CCF recomenda, no parecer, que “devem ser especialmente
ponderados os efeitos práticos, diretos e indiretos, de decisão
administrativa [da extinção], por forma a não prejudicar nem perturbar
as ações judiciais urgente, nem a diminuir as garantias e os interesses
do Estado, os quais podem, e devem, ser especialmente acautelados pelo
Ministério Público”.José Berardo, que
preside à fundação em seu nome a título vitalício, foi detido a 29 de
junho de 2021, tendo ficado indiciado de oito crimes de burla
qualificada, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada, dois
crimes de abuso de confiança qualificada e um crime de descaminho. Acabou por ser sujeito a uma caução de cinco milhões de euros e a proibição de sair do país sem autorização do tribunal.O
Governo tinha decidido pela extinção da FJB com base num relatório de
auditoria da Inspeção-geral das Finanças (IGF), que encontrou elementos
demonstrativos de que a finalidade real da fundação não coincidiu com o
fim previsto nos seus estatutos.De acordo
com a Lei-Quadro das Fundações, qualquer ação de extinção tem de ser
antecedida por um parecer do CCF, sendo que estas entidades podem ser
extintas quando o seu fim real não coincide com o previsto e quando não
tiverem desenvolvido qualquer atividade relevante nos três últimos anos.O
CCF também analisou o relatório da IGF e realçou que este revelou
“factos muito graves” com atividades distintas aos seus estatutos,
nomeadamente operações financeiras, designadamente aquisição de
ações/participações no capital de empresas e empréstimos avultados.O
CCF sublinhou que a administração da FJB não está regularmente
constituída pelo menos desde 2005 e os atos por ela praticados “tiveram
consequências graves e negativas para o património” da FJB, não tendo,
além disso, prestado contas publicamente, pelo que o CCF recomenda a sua
destituição.O documento do CCF referiu
ainda que a FJB “beneficiou indevidamente” do estatuto de Fundação e de
IPSS - que lhe foi retirado em 2020 pelo Estado - por não ter realizado
os seus fins estatutários, não cumpriu obrigações legais e por ter
auferido “de forma inapropriada”, benefícios e isenções públicas “em
relação às quais o Estado/contribuintes têm o direito de adequada
reparação”.No entanto, os conselheiros
apontam dúvidas e incertezas sobre esta medida de extinção da FJB e,
mesmo considerando os atos “muito graves”, e passíveis de atuação
criminal, alertam para o impacto desta ação no decorrer da investigação
judicial em curso.O mesmo parecer alertou
ainda que “subsistem dúvidas sobre a admissibilidade legal de ´cláusulas
de reversão´ como as constantes nos estatutos da FJB”.No
final de maio, o Governo anunciou que iria denunciar o protocolo
assinado entre o Estado e o colecionador de arte José Berardo, com
efeitos a 01 de janeiro de 2023.Foi com
este protocolo, assinado em 2006, que viria a ser criada a Fundação de
Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo, com a participação do
colecionador José Berardo, do Estado, através do Ministério da Cultura, e
da Fundação Centro Cultural de Belém, com a missão de criar o Museu
Berardo para exibir um acervo inicial de 862 obras da coleção de arte
moderna e contemporânea do empresário.O
ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, indicou que a Fundação de Arte
Moderna e Arte Contemporânea – Coleção Berardo será extinta e será
iniciado o processo para “a criação de um museu de arte contemporânea
que potencie várias coleções”, no Centro Cultural de Belém (CCB), e que
quando os tribunais tomarem uma decisão definitiva sobre a propriedade
das obras da Coleção Berardo o Estado irá negociar os temos de um novo
acordo.As obras estão arrestadas desde
julho de 2019, na sequência de um processo interposto em tribunal pelo
Novo Banco, a Caixa Geral de Depósitos e o BCP, para recuperarem uma
dívida de mais de 962 milhões de euros.