Pandemia reacende debate sobre especialidade de medicina de urgência
Covid-19
8 de mai. de 2020, 10:50
— Lusa/AO Online
Quem
o diz é Nelson Pereira, médico do Serviço de Urgência do Hospital de
São João (HJS), no Porto, que, com "idas e vindas", passagens por outros
territórios e missões, trabalha ali "há vários anos" e tem experiência
em cenários de catástrofe."Acreditamos
neste hospital que devia existir uma especialidade no nosso país que
ainda não existe - e somos um dos únicos da UE que a não tem - que é a
especialidade de medicina de urgência. Em termos europeus esta
especialidade está perfeitamente definida e contempla também a resposta
em catástrofes", disse à Lusa Nelson Pereira.O
médico de medicina interna, que em 2000 trabalhou em Moçambique, em
2003 no Irão e em 2016 na República Centro-Africana, contou que "foi
necessário remodelar todo o Serviço de Urgência (SU) e o próprio
hospital" para uma "situação completamente nova" que configura
"verdadeiramente uma situação de catástrofe", que é a pandemia de
covid-19."As necessidades que sentimos no
pico pandémico foram necessidades que nunca os serviços de urgência do
nosso país tinham sentido. Foi necessário reformular espaços,
estratégias, equipamento, mudar os processos, reforçar os recursos
humanos. Isto no HSJ foi relativamente fácil e possível porque, ao
contrário da maior parte dos restantes hospitais, dispomos de uma equipa
de médicos que se dedica total e permanentemente ao SU. Também fomos o
hospital que primeiro sofreu esta pressão. Pudemos de alguma forma
alumiar o caminho para outros hospitais que sofreram uma onda um
pouquinho à frente", descreveu o médico.Mas,
para Nelson Pereira, que também já trabalhou no Instituto Nacional de
Emergência Médica (INEM) e na Cruz Vermelha Internacional, ao mesmo
tempo que a pandemia mostra que "foram os médicos da urgência que
lideraram estes processos transversalmente na UE e globalmente no
mundo", também mostra a Portugal que falta a tal especialidade de
medicina de urgência, da qual faz parte a resposta em catástrofes.Mais
de dois meses depois do primeiro caso de infeção em Portugal, após ter
sido renovado por três vezes o estado de emergência e com o país desde
domingo em situação de calamidade, a tenda amarela instalada no espaço
exterior do Hospital de São João que serviu de "frente" à "batalha"
covid-19 está encerrada há 15 dias, mas mantém-se de pé perante "a
incerteza das próximas semanas"."Podemos
não atingir novamente os números de pico da [doença] porque acreditamos
que as pessoas terão formas de estar em público diferentes, que vão ter
um cuidado diferente, mas tudo vai depender de como as coisas evoluírem
com a diminuição das medidas de confinamento", referiu à agência Lusa,
Cristina Marujo, diretora do SU desde 2018.Já
Nelson Pereira confessa-se "expectante" de que "o desconfinamento não
venha a provocar um aumento significativo do número de doentes
covid-19", mas conta que "a estratégia neste momento passa por manter
toda a estrutura [de recursos materiais e humanos] que foi dedicada à
resposta covid em alerta e em permanência para poder de um momento para o
outro ser reativada"."Muito cautelosos"
é, em síntese, como estes dois médicos se descrevem. Ambos trabalham num
hospital que se diferencia por ter uma "Equipa Dedicada do Serviço de
Urgência", uma equipa constituída por um grupo de médicos chamados de
emergencistas, que prestam todo o horário no serviço, repartido por
vários setores.