Pandemia agrava pobreza e leva milhares de pessoas a pedir prestações sociais
Covid-19
6 de nov. de 2020, 13:01
— Lusa/AO Online
De
acordo com dados do Instituto de Segurança Social (ISS), entre março
(quando foi decretado o estado de emergência por causa da pandemia
provocada pela covid-19) e setembro, 32.036 pessoas pediram à segurança
social para receber o Rendimento Social de Inserção (RSI), uma prestação
social para quem está em situação de pobreza extrema.Significa
isso que neste período de oito meses, o ISS recebeu, em média, cerca de
152 pedidos por dia, mais de 4.500 por mês, de pessoas ou famílias em
situação de carência socioeconómica.Já em
relação ao número de pessoas que efetivamente passou a receber esta
prestação social, os dados do ISS mostram que nestes oito meses entraram
mais 11.554 novos beneficiários, enquanto no ano passado, entre março e
setembro de 2019, houve um decréscimo de 11.026 pessoas.Na
opinião de Carlos Farinha Rodrigues, investigador nas áreas da
distribuição do rendimento ou da desigualdade e pobreza, trata-se de
“uma situação que é expectável”.“Não tenho
dúvidas nenhumas que estamos a assistir, desde o inicio da pandemia, a
um agravamento das condições de pobreza e a resposta natural deste
conjunto de instrumentos de política pública é que eles reagem
aumentando o número de beneficiários e a sua abrangência”, apontou o
professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da
Universidade de Lisboa.Outra prestação que
também registou um aumento no número de pedidos foi o Complemento
Solidário para Idosos (CSI), um apoio social para pessoas com mais de 66
anos e baixos recursos, que entre março e setembro teve mais 10.292
idosos a requerê-la. Significa isto que,
em média, a segurança social recebeu todos os meses 1.470 pedidos de
idosos para receber o CSI, ou seja, 49 pedidos a cada dia. De salientar
que mais de metade (58,1%) dos pedidos foram feitos por mulheres idosas,
com idades entre os 65 e os 74 anos (36,36%). Esta faixa etária é,
aliás, a que está mais representada, com um peso de mais de 61%.Olhando
para a Prestação Social para a Inclusão, a tendência é igual, tendo em
conta que se trata de uma prestação social pensada para as pessoas com
uma deficiência da qual resulte uma incapacidade igual ou superior a
60%, que, além da componente base, tem um complemento pensado para
combater a pobreza destas pessoas.Neste
caso, houve 10.855 pessoas a irem junto da segurança social pedir este
apoio, entre março e setembro, apesar de para esses meses haver apenas
registo de mais 1.230 beneficiários.Para
Carlos Farinha Rodrigues o aumento não só no número de pedidos, mas
também no número de beneficiários está diretamente ligado com o facto de
o Governo ter alargado a abrangência de algumas destas medidas,
sublinhando que isso “era o expectável”, ou seja, que “reagissem como
formas de ajustamento e estabilizadores automáticos a uma situação de
agravamento da crise”.O professor apontou
que, por comparação, no anterior período de crise económica (entre 2010 e
2014) isso não aconteceu porque o país teve “uma política bizarra”, em
que “grande parte dos instrumentos que havia foram neutralizados, foram
reduzidos na sua abrangência exatamente perante a crise”.“Quando
pensamos nas alterações que houve, por exemplo, no RSI, em 2012,
claramente quando esses instrumentos eram mais necessários, houve uma
política deliberada, traduzida em alterações nas regras de funcionamento
dessas medidas que as tornaram menos eficazes”, lembrou o investigador.Acrescentou
que como consequência dessa política, apesar de a pobreza estar a
aumentar, os beneficiários das prestações sociais estavam a diminuir.O
facto de agora acontecer exatamente o oposto não surpreende, por isso, o
investigador, destacando que o que se verifica atualmente é que “as
políticas públicas de combate à pobreza estão a reagir como era
expectável”, aliadas ao facto de o próprio Governo ter aumentado a sua
abrangência.Por outro lado, destacou que a
atual crise tem especificidades próprias, desde logo pelo facto de “um
conjunto largo de setores da população” terem ficado “de um momento para
o outro privados de qualquer tipo de rendimento”.Em
causa pessoas “com uma relação muito ténue com o mercado de trabalho”
ou mesmo nenhuma, como por exemplo na economia informal, o que faz com
que estas pessoas estejam não só à margem do mercado de trabalho, mas
também da proteção social, uma vez que não fazem descontos, e tenham
sido, por isso, “duramente atingidas”.“Uma
medida como o RSI, que é uma medida de último grau para a pobreza mais
extrema, não compensa o que foi a perda de rendimentos desses setores, e
eu acho que é uma lição que tiramos desta crise”, defendeu.Carlos
Farinha Rodrigues disse ainda que um dos desafios para o futuro está em
conseguir garantir que estas pessoas não ficam sem qualquer tipo de
proteção, o que significa trazê-las para a economia formal, “para as
relações de trabalho protegidas.“Isso é um
desafio que muito claramente surgiu muito nitidamente nesta situação e
que eu acho que se deverá dar atenção”, rematou.