Os azares nunca travaram a ambição do "lutador" Ruben Guerreiro
10 de nov. de 2020, 12:04
— Lusa/AO Online
Em
Pegões Velhos, Ruben tornou-se o rosto mais conhecido. É parado pelo
senhor que conduziu o autocarro da escola, que até já foi sondado para
dar entrevistas, e que lhe pergunta pelo irmão, Francisco, também ele
ciclista, e pela professora primária, que lhe mostra o vídeo da sua
receção, pós-triunfo na classificação da montanha do último Giro, na
igreja local debruada a azul. A todos,
responde com a mesma genuinidade e simplicidade, duas características
que nunca o abandonaram em toda a sua (ainda) curta carreira. Guerreiro
pode ser o novo ‘rei da montanha’, mas é o mesmo miúdo disponível e
humilde que era quando saiu de Portugal, apenas com 20 anos,
demonstrando em cada declaração que não se deslumbrou com o sucesso nem
com o estatuto de novo herói nacional.Talvez
a explicação para tamanha autenticidade resida nas agruras de uma
carreira promissora, mas azarada, em que a estreia nas grandes Voltas
pecou por tardia, ainda que tenha chegado com estrondo – foi 17.º na
Vuelta do ano passado, a sua primeira, e converteu-se no primeiro
português de sempre a subir ao pódio como vencedor de uma camisola numa
das três ‘grandes’, à segunda tentativa.“Nunca
me sinto frustrado. Sinto uma motivação para trabalhar, mesmo quando as
coisas não correm bem. Eu sou um lutador por natureza, e trabalho
bastante. Mesmo com os azares que tenho tido, procuro sempre começar a
trabalhar a partir do zero e alcançar tudo o que traçar para o futuro.
Fui com essa ambição desde o escalão sub-23, mesmo com muitos azares nas
equipas por onde passei. Mesmo não saindo numa grande Volta com 22, 23
anos, sempre tive a fé de um dia estar nas grandes Voltas e fazer o que
estou a fazer agora”, conta à agência Lusa.Antes
de chegar à Education First, o corredor luso, de 26 anos, teve “azares
físicos, lesões, tendinites, problemas de posição na bicicleta, uma
apendicite, quedas”, nomeadamente na temporada passada, quando, na
entretanto extinta Katusha, partiu a clavícula. “Foi sempre tentar
avançar, mas [com] uma barreira que me travasse. Mas acho que isso me
embalou também para ter mais força e mais motivação para um dia estar a
disputar grandes corridas”, estima.Defensor
da premissa de que para singrar no ciclismo “a persistência tem de ser
enorme e o querer”, Ruben Guerreiro revela que sempre foi “muito
exigente” consigo mesmo, “talvez demasiado quando era sub-23”,
considerando mesmo que algumas das adversidades que enfrentou possam ter
resultado dessa exigência excessiva.“Mas
tenho aprendido a ter mais calma e a controlar o meu instinto e, se
calhar, as coisas estão a correr melhor”, nota o ciclista que, no
estrangeiro, passou ainda pela ‘fábrica de talentos’ da Axeon (2015 e
2016) e pela Trek-Segafredo (2017 e 2018).Para
essa mudança de mentalidade, em muito contribuíram conselhos de quem o
rodeia, mas também “as próprias lesões” que marcaram a sua carreira.“Quando
estamos parados é que refletimos. Desde mais novo que tenho essa
impulsividade, e agora tenho-a controlado mais. Algumas etapas em que
fiz segundo, como na Volta a Espanha, ou na Volta ao Algarve, uma vez no
Malhão, foram etapas em que, se calhar, gastei mais energia do que os
outros e havia um melhor do que eu. E, talvez, agora no Giro, na etapa
que ganhei, já se notou um bocadinho que consigo carregar no botão para
desligar a energia. Foi bom para mim perceber que consigo controlar essa
impulsividade. Chegou na melhor altura, aos 26 anos”, assume.Apesar
dos azares passados, o vencedor da Volta a Portugal do Futuro de 2014 e
campeão nacional de fundo de 2017 (e sub-23 no ano anterior) garante
não ter arrependimentos na sua carreira e congratula-se por ter tido
sempre “excelentes pessoas” ao seu lado, desde diretores desportivos, a
mecânicos e massagistas.“Tive essa sorte
de estar sempre com gente boa. Não me arrependo de nada. consegui sempre
vitórias ou resultados. Fazia igual outra vez”, assegura.