Organizações humanitárias criticam novas regras de Itália sobre resgates no mar
Migrações
5 de jan. de 2023, 15:32
— Lusa/AO Online
“Nós,
organizações civis envolvidas em atividades de busca e salvamento no
Mediterrâneo central, expressamos a nossa mais profunda preocupação pela
tentativa de um Governo europeu de impedir a assistência a pessoas em
perigo no mar”, afirmaram as organizações não-governamentais (ONG)
envolvidas nos resgates de migrantes na zona, num comunicado conjunto.“O novo decreto-lei
promulgado pelo Presidente italiano a 02 de janeiro vai reduzir as
nossas capacidades de resgate marítimo e tornará o Mediterrâneo central,
que já é uma das rotas migratórias mais mortais do mundo, ainda mais
perigoso”, referem. Vários navios de
resgate de migrantes estão atualmente no Mediterrâneo a preparar
resgates, como é o caso do ‘Geo Barents’, administrado pela Médicos Sem
Fronteiras, o primeiro navio que salvou pessoas no mar depois da
aprovação das novas regras.O navio
resgatou 85 migrantes em duas operações realizadas já esta semana,
escapando às multas em Itália apenas porque o decreto ainda não tinha
entrado em vigor.A Suécia, que assumiu a
presidência rotativa semestral do Conselho da União Europeia (UE) no
início de 2023, rejeitou o pedido italiano para que aliviasse a
responsabilidade de Roma de acolher mais migrantes, indicando que não
haverá nenhum acordo de redistribuição de migrantes este ano.O
Governo italiano, formado por uma coligação de direita e
extrema-direita, alega que o novo decreto visa impedir que os navios de
resgate sejam um fator de atração para os traficantes de migrantes,
garantindo que os barcos das organizações humanitárias funcionam como
‘ferry-boats’ destas máfias.O decreto
estabelece ainda que os requerentes de asilo devem apresentar os seus
pedidos ao país que tiver bandeira hasteada no navio de resgate.Uma
regra que Itália tem defendido, apesar de o Direito Internacional
determinar que o resgate de pessoas em dificuldades no mar deve ser
feito o mais rapidamente possível por qualquer navio e que deve ser o
Estado mais perto do ponto de resgate a acolher as pessoas.Para
o Governo italiano, no entanto, isto significa uma saturação dos campos
de acolhimento do país, pelo que os países do norte da Europa –
normalmente os de bandeira dos navios humanitários – devem ficar com a
responsabilidade sobre as pessoas que resgatam.Uma
porta-voz da Comissão Europeia escusou-se hoje a comentar as leis
nacionais adotadas pelos Estados-membros, mas sublinhou que a legislação
deve sempre respeitar as leis internacionais sobre resgate de vidas no
mar.“Não cabe à União Europeia olhar
especificamente para o conteúdo deste decreto. Independentemente do que a
Itália esteja a fazer por meio de um decreto, os Estados-membros devem
respeitar o Direito Internacional e o direito do mar”, sublinhou Anitta
Hipper, na conferência de imprensa diária em Bruxelas.“Salvar vidas no mar é uma obrigação moral e legal”, lembrou.A
nova política aprovada pelo Governo liderado por Giorgia Meloni prevê a
aplicação de um regime de sanções administrativas, em substituição das
penais, às ONG que resgatem, sem autorização, migrantes do mar para os
desembarcar no país, além de permitir proceder à “detenção
administrativa do navio e, em caso de reincidência da conduta proibida,
ao seu confisco”.Itália é abrangida pela
chamada rota do Mediterrâneo central, uma das rotas migratórias mais
mortais, que sai da Líbia, Argélia e da Tunísia em direção à Europa,
nomeadamente aos territórios italiano e maltês.De
acordo com as estimativas da Organização Internacional para as
Migrações (OIM), mais de 2.000 migrantes e refugiados perderam a vida
nesta rota durante o ano 2022.Segundo o
Ministério do Interior italiano, mais de 100.000 pessoas chegaram à
costa italiana no ano passado, um número que o Governo considera
incomportável.