No recurso das medidas de
coação a que a Lusa teve hoje acesso e que será apreciado pelo Tribunal
da Relação de Lisboa, a defesa do advogado Diogo Lacerda Machado,
consultor da empresa Start Campus - também arguida no processo - e amigo
do primeiro-ministro, António Costa, alega que não existe qualquer
indício de tráfico de influências assim como risco de fuga pelo que
“nada permite que subsistam (…) as medidas de coação decretadas pelo
despacho”.A defesa, a cargo do advogado
Manuel Magalhães e Silva, argumenta que à exceção do Termo de Identidade
e Residência (TIR), as restantes medidas, decretadas em novembro, devem
ser revogadas.No final do interrogatório
judicial da Operação Influencer, Diogo Lacerda Machado ficou fortemente
indiciado por tráfico de influência e sujeito a uma caução de 150 mil
euros e entrega de passaporte.O recurso
contesta a indiciação por tráfico de influência no que diz respeito ao
licenciamento da construção do Datacenter de Sines numa Zona Especial de
Conservação (ZEC), falando em “impossibilidade cronológica” descrita
nos autos.Segundo o recurso, Lacerda
Machado não teve “intervenção sobre este tema junto de qualquer entidade
pública, fosse do secretário de Estado João Galamba ou do presidente da
APA [Agência Portuguesa do Ambiente] Nuno Lacasta, fosse do ministro
Duarte Cordeiro e mesmo do chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor
Escária”, algo que “é corroborado pela reconstituição cronológica
factual, se feita com correção”.No
essencial, a defesa argumenta que está descrito no processo que a
solução para o licenciamento da construção do Datacenter ficou decidida
em maio de 2022, numa conversa entre o presidente do Instituto de
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e o então secretário de
Estado João Galamba.“O tema ZEC, como
possível obstáculo ao licenciamento da implantação do Datacenter, surge e
tem solução, aliás absolutamente legal e lícita, no período que medeia
entre agosto de 2021 e maio de 2022. Período durante o qual o arguido
não reuniu nem falou (…) com o Chefe de Gabinete do primeiro-ministro,
Vítor Escária (…), com quem só veio a reunir e falar em 22 de dezembro
de 2022, sete meses depois de encontrada a solução”, lê-se no recurso.Segundo
a defesa, os autos mostram que Lacerda Machado “não teve qualquer
intervenção sobre o tema ZEC, seja para pedir, influenciar ou sequer
sugerir qualquer solução” e que a decisão do juiz de instrução assenta
num “erro factual”, bem como “num juízo errado”. Isto,
acrescenta, porque a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) favorável com
medidas compensatórias que veio a ser decidida não é ilegal, cumprindo a
legislação em vigor.O recurso deixa ainda
críticas à indiciação do Ministério Público (MP), alegando que “nada
permite concluir” que Lacerda Machado tenha sido contratado pela Start
Campus por ser o melhor amigo do primeiro-ministro, “logo, em posição de
se aproveitar da relação para exercer pressão sobre os decisores
públicos, quando chamados a decidir sobre temas” da empresa.“À
míngua de prova direta do pacto criminoso”, o MP apoiou-se na tese de
tráfico de influência na decisão da AIA, “prova indireta” que a defesa
contesta, argumentando que “sem indícios de crime, não há medidas de
coação”.O recurso aponta ainda que “nada
nos autos evidencia qualquer indício de risco real e iminente de fuga” e
que “capacidade económica, residência de filhos em diferentes
geografias e laços profissionais à Guiné (…) nada permitem concluir
sobre perigo concreto de fuga”.Esta
investigação tornou-se pública com a operação realizada em 07 de
novembro pelo MP, que envolveu 42 buscas e levou à detenção de cinco
pessoas: Vítor Escária, Diogo Lacerda Machado, os administradores da
empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e o presidente
da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas.No
total, há nove arguidos no processo, incluindo o agora ex-ministro das
Infraestruturas, João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do
Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado, antigo secretário de Estado da
Justiça e ex-porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start
Campus. O processo está relacionado com a
exploração de lítio em Montalegre e de Boticas (ambos distrito de Vila
Real), com a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines,
Setúbal, e com o projeto de construção de um centro de dados (Data
Center) na zona industrial e Logística de Sines pela sociedade Start
Campus.O primeiro-ministro, António Costa,
que surgiu associado a este caso, foi alvo da abertura de um inquérito
no MP junto do Supremo Tribunal de Justiça, situação que o levou a pedir
a demissão, tendo o Presidente da República marcado eleições
antecipadas para 10 de março de 2024.