Autor: Lusa/AO Online
A conferência das Nações Unidas sobre financiamento para o desenvolvimento só se realiza a cada dez anos e esta ocorreu num momento de "escalada das tensões comerciais, cortes acentuados na ajuda pública ao desenvolvimento" e "aumento do peso da dívida" dos países mais pobres, como reconheceu a secretária-geral adjunta das Nações Unidas, Amina J. Mohammed, na sessão de encerramento do encontro.
Amina J. Mohammed referiu os "danos colaterais" para o combate à pobreza e a promoção do desenvolvimento de haver neste momento outras e maiores prioridades nos orçamentos dos países doadores: "O apoio ao desenvolvimento já não se pode dar por garantido".
"Apesar disso, perante este cenário preocupante, a conferência de Sevilha deu uma resposta forte", adotando o documento "Compromisso de Sevilha", "centrado em soluções", que "mostra que a cooperação multilateral ainda é importante e ainda funciona", e que reafirma "o compromisso" da comunidade internacional e reaviva "a esperança", considerou.
O "Compromisso de Sevilha", um documento de 68 páginas subscrito por 192 dos 193 países da ONU, estabelece metas e compromissos, assim como propõe medidas para tentar responder a três questões fundamentais para o desenvolvimento.
A primeira é mobilizar mais recursos, públicos e privados, para reduzir o défice de financiamento, estimado pelas Nações Unidas em mais de quatro biliões de dólares americanos (mais de 3,4 biliões de euros); a segunda é aliviar o peso das dívidas soberanas nos orçamentos dos países mais pobres para assim libertar verbas para investimentos de combate à pobreza; a terceira é dar mais protagonismo e voz aos países em desenvolvimento nos processos de cooperação internacional e na arquitetura de financiamento global.
"Os países em desenvolvimento têm de ser ouvidos como foram ouvidos nesta conferência", defendeu Amina J. Mohammed.
Foi ainda lançada nesta conferência a "Plataforma de Sevilha para a Ação", que junta iniciativas conjuntas de países, organizações não-governamentais (ONG), organismos e agências multilaterais, setor privado e bancos de desenvolvimento que pretendem transformar em ações concretas o que está enunciado no documento global (o “Compromisso de Sevilha”).
Nos quatro dias da conferência foram apresentadas ou entregues à plataforma 130 iniciativas, como alianças para suspensão de dívidas públicas em determinados cenários; para conversão das dívidas soberanas em projetos de desenvolvimento e de economia verde ou para taxar de forma extra voos privados e grandes fortunas para assim gerar verbas para financiar projetos de desenvolvimento.
Passaram esta semana por Sevilha delegações de 192 países, 60 das quais encabeçadas por chefes de Estado e de Governo. Destes, a maioria era de países em vias de desenvolvimento, num claro desequilíbrio de representação entre doadores e devedores.
"Gostávamos ter tido mais líderes dos países doadores", reconheceu a vice-secretária-geral adjunta da ONU, em resposta a perguntas dos jornalistas numa conferência de imprensa final da conferência.
Amina J. Mohammed acrescentou que, no entanto, este desequilíbrio de participação não diminuiu "a esperança" com que a ONU sai hoje de Sevilha, sublinhando que quase todas as delegações tiveram representação "de alto nível" e que seguramente assim será nas próximas reuniões e nas que darão seguimento a esta conferência.
O único país da ONU ausente de Sevilha e que não subscreveu o "Compromisso de Sevilha" foi os EUA, tradicionalmente o maior doador do mundo, mas que cortou as verbas de apoio ao desenvolvimento desde que Donald Trump regressou à presidência do país, em janeiro.
Amina J. Mohammed disse que a ONU lamenta a ausência dos EUA e este "retrocesso repentino”, mas que espera “que seja temporário e que os EUA regressem", acrescentando que, porém, “como demonstrou a conferência de Sevilha”, "apesar de tudo", os países e o mundo avançam.
A Conferência de Sevilha foi considerada um êxito do multilateralismo, num contexto geopolítico atual marcado pelas tensões, pela ONU, pela generalidade dos Estados-membros da organização e por organismos multilaterais, como os bancos de desenvolvimento ou o Banco Mundial.
Outra
opinião manifestaram porém as centenas de ONG que também participaram
na conferência, que consideram o "Compromisso de Sevilha" pouco
ambicioso e que houve um boicote dos países ricos a medidas eficazes
para aliviar dívidas soberanas dos mais pobres.