Autor: Paula Gouveia
“Eu sempre fui muito tímido”. É assim que José Maria Pacheco se define. Mas, como explicar então todo o sucesso acumulado em cima de inúmeros palcos? “No teatro, a pessoa abstrai-se de si mesma”, remata o criador da tia que todos conhecem - a Tia Maria do Nordeste.
Partilha com esta personagem a origem: foi no concelho do Nordeste que passou a sua infância. Natural da freguesia São Pedro Nordestinho, José Maria Pacheco recorda-se destes primeiros dez anos de vida como “dias de brincadeira e de escola”, mas também de trabalho.
“Tínhamos vacas e terras” e cabia aos mais novos vigiar os melros, conta. “Éramos só dois filhos, mas havia muita gente, porque como o meu pai tinha terras, iam homens trabalhar para lá, e as mulheres por vezes trabalhavam na nossa casa. Comiam lá e tudo – era quase uma cooperativa”, lembra.
Mas aos 10 anos, teve de deixar a sua casa para ir estudar para Ponta Delgada. “Não foi muito fácil”, confessa. Lembra-se que o irmão (Padre Cipriano Pacheco), três anos mais velho, quando partiu pelo mesmo motivo, chorou, e na altura, com a presunção de que “era mais forte”, “disse-lhe que quando chegasse à minha vez não ia chorar, e chamei-lhe de ’choquinhas’ - coisas de rapazes”, recorda.
A verdade é que quando chegou a sua vez, “à saída da porta aguentei-me. Os meus pais deram-me uma malinha, e depois tinha de ir por um atalho para apanhar a camioneta na estrada regional, e eu não chorei à vista deles, mas quando cheguei ao atalho, chorei”.
Foi sozinho para Ponta Delgada, onde ficou hospedado na casa de uma senhora, na rua de São Miguel. Contudo, tempos depois “os meus pais fizeram uma casa nos Bairros Novos, para a minha mãe vir – já o meu pai não vinha muita vez, porque gostava de estar lá em cima”, explica. Aos 16 anos, foi para o Lar São Luís de Gonzaga na rua Melo Abreu.
Em Ponta Delgada, fez o ciclo preparatório, fez o Curso Geral de Comércio, “e depois tirei a secção preparatória dos Estatutos Comerciais”. O seu primeiro trabalho foi para a Comissão Reguladora dos Cereais dos Açores – “foi o emprego que mais gostei na minha vida”. “Fiquei dois anos lá, e depois fui para a tropa. Estive quase um ano em Tavira e dois anos na Guiné. E no regresso a Ponta Delgada, voltou ao seu trabalho na Comissão, “mas depois convenceram-me a ir para o J.H.Ornelas. Estive seis ou sete anos no J.H. Ornelas, e daí fui para o BCA, onde estive até à reforma (aos 55 anos)”.
Questionado sobre o cenário de guerra que encontrou na Guiné, José Maria Pacheco conta: “Estive numa zona onde houve ataques e íamos para o mato, mas houve zonas piores. Tivemos feridos e um morto – e este foi perto de mim. Mas no segundo ano, escolheram-me para dar aulas aos miúdos e a soldados que não tinham a quarta classe para depois fazerem o seu exame – e esse foi um ano mais calmo”, lembra.
Sobre o seu percurso profissional diz: “Nunca fui um grande comercial, sempre gostei mais de teatro”. E essa ligação ao teatro começou na sua infância. “Na minha freguesia, havia muitos rapazes da Praia da Vitória, havia muitos estudantes, e foi aí, em São Pedro Nordestinho, que fiz teatro pela primeira vez. A peça era a ‘Fábrica de Malucos’ e eu fazia o empregado despassarado – e consegui tornar o papel cómico”. Mais tarde, no Lar São Luís de Gonzaga, “a senhora que tomava conta da gente, também fazia umas peças de teatro. Eu sempre fui muito tímido... E deu-me o papel mais pequenino que tinha, mas depois foi-me dando papéis cada vez maiores”, explica.
Já na Comissão Reguladora, os seus colegas que estavam na Associação Católica, convidaram-no para fazer teatro: “lá já era todo o ano, e aos domingos havia quase sempre uma peça de teatro. Era um recinto bom, com palco, na rua da Misericórdia, onde costumava a haver umas palestras do padre e depois uma peça de teatro. E aí fiz uns papéis engraçados”, conta.
Mas foi no J.H. Ornelas que conheceu o Victor Melo, “um tipo ligado ao teatro” com quem havia de fazer parceria. “Ele leva-me para São Pedro, onde o padre José Batista fazia muito teatro, e tinha muito jeito para encenador e para fazer cenários”.
Já a trabalhar no banco, encontrou o João Mendonça a fazer teatro. “Escrevia muito bem e era uma pessoa excecional. Chamou-me para fazer teatro e começámos a ensaiar umas coisas que ele tinha escrito. Mas depois, de vez em quando, dava-lhe umas enxaquecas, e houve uma altura em que não podia escrever, e foi nessa altura que comecei a escrever”, recorda.
“Por volta de 86/87, fizemos a peça ‘A rir é que a gente se entende I’, aberta ao público em geral no Teatro Micaelense, que foi um sucesso, mas foi o “A rir é que a gente se entende II” que rebentou com tudo”, relata, recordando-se de como “as sessões estavam sempre cheias, com filas”.
Foi o início do sucesso da Tia Maria do Nordeste.
E qual a resposta para a pergunta que está na mente de todos: Como surgiu esta personagem tão popular? “Foi o Victor Melo que propôs que se criasse uma personagem – que quase se chamou Rosalina, por sugestão inicial dele – de uma mulher que tinha estado na América, e que era muito esperta e mandona, mandava no marido”, explica José Maria Pacheco. ”Comecei a desenvolver aquela ideia, mas acabou por ficar um ‘sketch’ muito grande, e eu disse-lhe que não seria eu a fazê-lo. Ainda falei com três ou quatro raparigas que conhecia do teatro - a Maria Bifa e a Pilar foram duas das contactadas, nenhuma delas podia fazer o papel. E acabou por ser eu a fazê-lo”.
A verdade, confessa, é que “a personagem caiu-me bem... A pronúncia do Nordeste, a mulher mandona, caiu-me que nem ginjas. E as pessoas adoravam”.
Admite que tem parecenças com umas tias suas: “ Baseei-me no estilo delas, na forma como elas falavam”, revela. Mas o que gosta mais nela é o facto de ser “uma mulher que não é de se exibir, é muito simples, diz as coisas com naturalidade, quase ingenuamente, o que leva as pessoas a rirem-se”. “Ela tem uma maneira de dizer que não é muito bruta. Diz de uma maneira mais ou menos suave, mas toca nos ponto certos. A política está sempre lá metida. E está a par de tudo o que se passa nos Açores”. Para isso, inspira-se nos jornais, na televisão, mas também no dia a dia e nos comentários das pessoas. “Ela ajuda-me a desabafar. Há coisas que eu não digo e ela diz”, confessa sobre Tia Maria do Nordeste, “a personagem que nunca mais me largou”.