Autor: Lusa/AO Online
No final de março, na sua primeira conferência de imprensa como Presidente dos EUA, Joe Biden repetiu uma frase que parecia querer captar a estratégia política para o seu mandato e a sua principal mensagem aos jornalistas:
“Eu quero mudar o paradigma”, disse o Presidente democrata por três vezes, referindo-se à sua agenda e à forma como a pretendia negociar com os republicanos.
No seu discurso de tomada de posse, Joe Biden deixara um sinal de diálogo interpartidário, reconhecendo que com uma frágil maioria na Câmara de Representantes e com um Senado dividido literalmente a meio (50-50), a Casa Branca não podia hostilizar os republicanos.
O primeiro desses sinais de diálogo foi a sua declaração de que não insistiria num processo político ou judicial contra o seu antecessor, Donald Trump, envolvido num processo de destituição no Congresso, por "incitação a insurreição", mesmo já depois de ter abandonado o lugar de Presidente.
Contudo, não demorou muito a partir a corda com o Partido Republicano, quando Biden insistiu no seu plano fiscal, com um substancial aumento de impostos para os mais ricos e para a classe média alta, ou quando declarou o fim da construção do muro na fronteira com o México, rompendo com as anteriores medidas de controlo de fronteiras.
Ao colocar a luta contra a pandemia de covid-19 como a prioridade imediata da sua agenda, o novo Presidente deu também um sinal claro de que iria romper com as mensagens ambíguas de Trump sobre medidas de confinamento, estabelecendo o uso obrigatório de máscaras de proteção individual e anunciando um ambicioso projeto de vacinação para os primeiros 100 dias de mandato.
Biden mostrou também pressa em desmontar alguns dos pilares da política externa: anunciou o regresso dos Estados Unidos ao acordo climático de Paris e parou o processo de afastamento da Organização Mundial de Saúde (OMS) – duas organizações internacionais com quem Donald Trump tinha entrado em rota de colisão.
Mas, também rapidamente, Biden percebeu a força política dos republicanos, sendo obrigado a difíceis negociações e soluções de compromisso no Congresso para tentar aprovar um pacote de ajuda financeira, de quase dois biliões de euros, para combater a crise económica decorrente da crise sanitária.
Apesar das pressões no seu próprio partido para não fazer cedências – nomeadamente por parte da comissão de orçamento do Senado, liderada pelo radical Bernie Sanders – o Presidente fez diversas modificações no documento inicial, incluindo no referente à distribuição de verbas pelos governos estaduais, tornando-o mais próximo dos pacotes de apoio que tinham sido apresentados por Trump.
Também a nível externo, Biden manteve algumas das decisões do seu antecessor, revelando que a “mudança de paradigma” não se estendia à totalidade da agenda política, mas antes deveria ser um ponto de equilíbrio entre o que se muda e o que se altera.
No Afeganistão, Biden manteve a promessa feita por Trump de retirada do efetivo militar norte-americano, ainda durante o ano de 2021, embora com algum atraso relativamente ao plano anterior.
Ainda em matéria de política externa, e mantendo promessas eleitorais, Biden reforçou a posição de força perante Pequim, colocando a China como o principal “adversário comercial” e mesmo “inimigo militar”.
O recente envio de navios de guerra para o mar da China setentrional e a resistência a abrir mão de algumas das taxas alfandegárias sobre produtos chineses prova que a Casa Branca de Biden não se afastou muito, nesta matéria, da estratégia de Trump, apenas tendo suavizado a linguagem diplomática.
Um ponto de substancial diferença com o anterior Presidente, republicano, foi a relação com os aliados, bem sublinhada pela pronta visita do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, à sede da NATO, onde se apressou a confirmar a intenção de preservar antigos compromissos de parcerias.
Relevante é igualmente o facto de a primeira viagem oficial de Joe Biden ser ao Reino Unido e à Bélgica, em junho próximo, num sinal evidente de aproximação aos aliados que Trump manteve ao largo.
Recentemente, os Estados Unidos anunciaram também que iriam reforçar o efetivo militar na Alemanha, numa mensagem de confiança aos aliados europeus, mas também de desafio a outro dos “inimigos”: a Rússia.
Aliás, Biden quebrou mesmo a sua imagem de estadista de expressões moderadas, quando, numa entrevista televisiva, respondeu positivamente a uma pergunta sobre se o Presidente russo, Vladimir Putin, era um “assassino”, desfazendo ambiguidades de relações que vinham da era de Trump.
Internamente, Biden reverteu várias políticas emblemáticas do seu antecessor, como o plano de construção do muro de fronteira com o México, preferindo uma política de imigração articulada com os países da América Central.
Com a pressão de entrada de imigrantes e refugiados a aumentar, Biden tem-se centrado em reverter algumas das medidas de Trump mais polémicas, como a separação de crianças das suas famílias, embora continue a ser criticado por não conseguir resolver totalmente o problema da imigração ilegal.
Também ao nível da legislação sobre uso e porte de armas, Biden está a tentar introduzir profundas alterações e a passar uma mensagem política de que tudo fará para evitar tragédias com tiroteios, mas os especialistas não estão seguros de o Presidente consiga alguma diferença substancial.
Emblemática foi a suspensão da Comissão 1776, um grupo de 18 académicos, maioritariamente conservadores, que estava a preparar uma reforma dos manuais escolares, no sentido de uma “educação patriótica”.
Após vários casos polémicos de nomeações e demissões de funcionários públicos no mandato de Donald Trump, Joe Biden instituiu um código de honra entre os membros do Governo, que os impede de agir em seu interesse pessoal, e procurou reforçar a independência do Departamento de Justiça.
Até a decoração da sala oval
foi alterada, com a chegada do novo inquilino à Casa Branca: Biden
mandou retirar um quadro de Andrew Jackson, Presidente que ficou
conhecido por assinar um tratado que obrigou os índios nativos a serem
realocados, e colocar um quadro de Benjamin Franklin, uma das figuras
mais populares da história dos Estados Unidos.