“O meu trabalho traz-me todo o conforto necessário para poder desenvolver a música que quero”
19 de out. de 2025, 08:00
— Susete Rodrigues
Isabel Mesquita é natural de Santa
Maria, onde passou a sua infância. Numa ilha pequena como Santa
Maria, nem sempre se encontra o que as ilhas maiores têm para
oferecer aos mais jovens, nomeadamente escolas de músicas ou outras
opções de ensino artístico. Conta-nos que “estamos na mesma
escola do 5.º ano até ao 12.º anos de escolaridade”,
acrescentando que, na sua altura, “não havia escolas de músicas
na ilha. Já houve há alguns anos”, referindo que “numa ilha
pequenina como Santa Maria vive-se sempre das pessoas que por aqui
passam, mas muitas vezes é temporário”. Diz-nos que “sempre
gostei de música e tive aulas de guitarra. Claro que a guitarra teve
as suas fases, umas vezes tocava, outras ela estava arrumada debaixo
da cama. Mas, se havia alguma atividade nos escuteiros, ia buscar a
guitarra”.
Com o tempo, “fui evoluindo e
aprendendo outras coisas”. Contudo, o interesse maior em cantar e
em querer fazer parte de projetos surgiu depois de participar em
iniciativas de formação relacionadas com as artes. “Participei em
workshops de teatro, de voz. Lembro-me de um workshop de voz com a
professora Paula Oliveira, de um workshop de blues organizado pela
Associação Escravos da Cadeinha, ou seja, as associações de cá
tentaram e tentam colmatar essa lacuna”. Foi a partir destas
iniciativas que começaram a surgir outros projetos. Isabel Mesquita
refere que, por exemplo, do workshop de blues dos Escravos da
Cadeinha “surgiu o meu primeiro grupo, IziBlues. Tivemos a
oportunidade de realizar mais formações e tocar em ensemble. Era um
projeto bastante rico que explorava o jazz e o blues”.
A dada altura teve de deixar Santa
Maria para prosseguir os seus estudos. Foi para Lisboa estudar
Engenharia Aeroespacial, no Instituto Superior Técnico. Revela que,
“inicialmente queria ir para uma escola de música, mas o curso já
era tão exigente e não queria ter mais uma área tão exigente na
minha vida naquela ocasião. Mas ainda tive algumas aulas
particulares com professores de canto”.
Um pouco mais tarde, Isabel Mesquita,
ingressou numa “escola que tinha o ensino de jazz e foi incrível.
Foi nesta altura que me arrependi de não ter começado mais cedo”,
afirmou para explicar que “o jazz é uma escola fantástica. São
escolas de harmonia e improvisação que, depois, podemos aplicar a
qualquer estilo, a qualquer música. Para mim, a coisa mais bonita
que o jazz tem é que, como há esse reportório de standard de jazz
- quase que comum a quem vem dessa escola - conseguimos participar
numa ‘jam session’, ou seja, estar em palco com pessoas que nunca
vimos na vida e fazer música juntos. Isso é lindo”.
Isabel Mesquita teve a oportunidade de
viajar por Cabo Verde, Nova Iorque, Cuba, Panamá e Espanha, tendo
participado em workshops, palestras, concertos e em ‘jam sessions’.
“Adorei essa experiência de ir para uma ‘jam session’, num
local completamente diferente, com pessoas que não conhecia e fazer
música com elas”, revela.
Nestas suas viagens, teve a
oportunidade de estar com “outros músicos e outras culturas e,
nessa altura, não era só o jazz - apesar de estar sempre presente -
mas cada um tinha a sua identidade, a sua cultura”, frisando que só
o “facto de estar presente e absorver a cultura de outras pessoas e
de outros países, é muito interessante”. Confessa que durante as
suas viagens foi à procura de ter formações para “enriquecer o
meu trajeto, porque quando voltei a Santa Maria e fui trabalhar,
deixei de estar tão rodeada daquele meio musical, tal como estava
aquando da minha estadia em Lisboa e decidi, nas minhas viagens,
incluir toda essa parte de formação”. Foram essas experiências
que a inspiraram para fazer algo seu na música, e foi numa viagem a
Cabo Verde que conheceu o seu produtor Yami Aloelela.
Em 2019 lançou o seu primeiro disco
‘Ilhéu’ com 10 canções. Tornar realidade um projeto, nem
sempre é fácil, requer muito tempo e muito trabalho. Na altura,
“estava a trabalhar com uma agência e tentámos fazer o melhor.
Mas, por vezes, senti dificuldade em tentar tornar o projeto
sustentável por si próprio”. No entanto, o disco teve alguma
projeção, “do ponto de vista de divulgação nas lojas FNAC,
passou nas rádios, mas em termos de concertos, confesso que tinha
uma maior expectativa, uma vez que estava a trabalhar com uma equipa
de agenciamento”. Acabou por perceber que “sozinha, num meio como
os Açores, conseguia divulgar melhor o meu trabalho, num contacto
direto com promotores de concertos e com uma maior flexibilidade em
termos de equipa. Mas tudo faz parte da nossa aprendizagem”.
O certo é que conseguiu levar o seu
‘Ilhéu’ a todas as ilhas dos Açores, “umas vezes a solo,
outras com a minha banda”.
Isabel Mesquita faz parte do grupo
‘Línguas de Fogo’, composto ainda por Sara Miguel, Giana de Toni
e Antonella Barletta. Juntaram-se, pela primeira vez, numa residência
artística no Pico Zen Festival. A vontade de formar um grupo só de
mulheres falou mais alto, do que o entrave de um mar imenso a
separá-las - porque cada uma vive numa ilha diferente - e há dois
anos nasceu o ‘Línguas de Fogo”, um projeto de homenagem à
poesia de Natália Correia. Já este ano, em março e abril, o grupo
apresentou o seu disco de estreia ‘Celebrar Natália Correia’ nas
ilhas de São Miguel, Santa Maria e Pico. No concerto, em Santa
Maria, Isabel Mesquita confessa que “estava muito feliz porque
consegui concretizar este trabalho que foi muito intenso”. As
‘Línguas de Fogo’ reúnem-se novamente na ilha Terceira, no
próximo dia 25 de outubro, às 21h30, para a apresentação do disco
‘Celebrar Natália Correia’, no Centro Cultural e de Congressos
de Angra do Heroísmo.
Conciliar a sua vida familiar e
profissional com a música, não é fácil, mas conta com “um
grande apoio do meu companheiro e da família, e também do bom
menino que é o meu bebé”, afirmou Isabel Mesquita, sublinhando
que “tenho o meu trabalho, sou controladora de tráfego aéreo, sou
mãe e sou cantora. Sou estas caixinhas todas e com muita vontade de
as realizar todas. Não tenho que ser uma coisa só”. Diz ainda que
não quer que “a música seja uma obrigação, que seja, sim, uma
parte criativa da minha vida. O meu trabalho traz-me todo o conforto
necessário para poder desenvolver a música que quero”.
Por outro lado, a “maternidade
trouxe-me novos desafios, menos tempo e outras prioridades. Ainda
estou a reencontrar o meu lugar na vida artística. Tenho uma vontade
imensa de fazer música, mas surge em mim uma vontade de me recatar.
Algo que acaba por não ser muito compatível com a exposição
associada à divulgação de um trabalho artístico e ainda procuro um ponto de
equilíbrio”.De todos os palcos que já pisou, há
um que lhe é muito familiar e que a marcou: o palco da Maré de
Agosto (Santa Maria). Revela-nos que “foi um sonho tornado
realidade”, acrescentando que “todos os outros palcos são
igualmente especiais e com momentos únicos. Recordo, também, com
muito carinho, palcos que me receberam num ambiente intimista e onde
me apresentei a solo, como o largo do Outeiro, na ilha do Corvo e a
Casa Grão de Café, na ilha de São Jorge. Experiências que foram
muito importantes para meu crescimento pessoal e artístico”.