Autor: Ana Carvalho Melo
Filipe Franco, artista plástico, com uma carreira de mais de três décadas, destaca-se não só pelo seu trabalho, mas também pela projeção da arte contemporânea na região.
“O meu trabalho reflete um percurso de 30 anos. Numa primeira fase, as referências influenciaram muito o meu trabalho, mas gradualmente tenho vindo a conquistar um espaço eminentemente pessoal. Os meus interesses estéticos estão muito ligados a aspetos físicos, químicos e geológicos, mais do que a um discurso literário ou figurativo. Sou formado em pintura, e o que mais me seduz são as peles, os revestimentos, que em pintura são muito importantes”, revela o artista.
No entanto, considera que a sua contribuição para a região vai além do seu trabalho artístico. “Intervim na criação de espaços e contextos para a arte contemporânea. O meu papel tem sido também de intervenção, promovendo a arte e a cultura de forma mais ampla”, afirma.
Neste sentido, recorda a exposição coletiva “Novos Criadores” que organizou em 1998 com a produtora Criações Periféricas da Kairós, que reuniu trabalhos de pintura, design, fotografia e arquitetura. “A ideia principal foi dar um sentido de unidade e que os artistas sentissem que havia uma comunidade artística a produzir nos Açores, e não apenas dois ou três, enquanto pressionava a Direção Regional da Cultura, que se centrava muito no processo artístico da Terceira, para reconhecer a comunidade artística”, explica, realçando: “A experiência com os Novos Criadores foi significativa e produziu resultados quase imediatos. Muitos jovens escolheram seguir as artes plásticas após essa experiência.”
Também a exposição coletiva “Periferia ao Centro” contribuiu para este objetivo, ao cruzar artistas açorianos com artistas do continente. “Esta exposição também foi importante por permitir abrir janelas de criação artística com o exterior”, refere.
Filipe Franco esteve também envolvido no programa de exposições itinerantes de artistas contemporâneos açorianos, apoiado pela Casa da Cultura de Ponta Delgada. Como refere o artista, todas estas iniciativas deram a conhecer o que estava a acontecer de novo nos Açores, iniciando um novo ciclo da arte contemporânea na região.
Lembrou ainda que o surgimento do Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas se deve, em parte, ao seu contributo, tendo sido uma ideia que surgiu da iniciativa “Encontros de Água de Pau”, promovidos pela Direção Regional da Cultura no tempo de Luiz Fagundes Duarte.
Entre 2001 e 2004, teve a Franco Steggink Galeria, na Lagoa, onde através de uma galeria e de um bar integrados, procurou observar e relacionar tradições populares e eruditas com um pensamento contemporâneo de cultura.
Hoje, mais afastado desta posição de intervenção, Filipe Franco afirma ter “esperança que as novas gerações continuem a desenvolver e a valorizar a arte nos Açores”, defendendo que “é importante que haja um reconhecimento e apoio às iniciativas culturais e artísticas, e que se crie um contexto que permita a todos os artistas, independentemente da idade ou género, expressarem-se e contribuírem para a riqueza cultural da região”.
Mesmo assim, lamenta a “relação difícil” que tem com as gerações mais jovens. “Eu tento manter-me acessível, mas sinto que as gerações mais novas não procuram estabelecer relações comigo. Quando regressei aos Açores, estabeleci relações com gerações mais velhas, mas não sinto essa reciprocidade das gerações atuais. Isso faz-me alguma confusão”, confessa.
Ainda nesta conversa, Filipe Franco recuou na sua história de vida e contou que, apesar de ter nascido em Ponta Delgada, teve uma infância entre os Açores e o continente. “O meu pai era açoriano e a minha mãe alentejana, vivi a minha infância entre esses dois espaços geográficos”, recorda.
A arte foi uma paixão que descobriu na escola, influenciado pelos seus professores. “Descobri a arte através da escola, mais precisamente no ciclo, em que tive uma professora de Educação Visual, a professora Olga Faria, que me incentivou muito. Ela dizia-me que os meus trabalhos estavam bons e dava-me referências positivas. Mais tarde, no ensino secundário, tive o professor Tomaz Borba Vieira, que continuou a dar-me referências e força. Já na minha juventude, conheci a escultora Luísa Constantina na Academia das Artes, onde estive durante dois anos. Foi aí que comecei a perceber que era possível seguir as artes visuais”, descreve.
Foi então que partiu para Lisboa, onde estudou no Ar.Co - Centro de Arte e Comunicação Visual. O regresso aos Açores aconteceu, após a sua formação, por razões familiares, mas acima de tudo pelo aspeto telúrico e a matéria de que a ilha é constituída, que permitem a Filipe Franco “explorar pigmentos naturais que de outra forma não poderia explorar”. Outra razão do seu regresso prendeu-se com o facto de sentir que “havia um contexto político e cultural importante a desenvolver nos Açores”. “Nos anos 90, a Autonomia em termos de processo político estava ainda em implantação, e senti que era importante regressar aos Açores e contribuir para reforçar a ideia de Comunidade Autónoma em termos culturais. Dei o meu contributo nesse sentido”, reconhece.
“A arte e a cultura em geral poderiam dar um forte contributo para a unidade insular, porque a ideia de Ilhas-Estado já toda a gente percebeu que não é a solução”, defende.
“Ao Alcance do Olhar” foi o nome da sua última exposição, que esteve patente no Núcleo de Arte Sacra do Museu Carlos Machado e que é um exercício de autorreferência e autoafirmação da pintura, baseado na realização de objetos pictóricos, centrados no desenvolvimento das suas qualidades formais, da sua natureza física e limites do espaço arquitetónico disponível, em que a importância da peça recai sobre o seu caráter objetual.
“O trabalho recente no Museu Carlos Machado vem no seguimento das minhas preocupações gerais. Aborda a questão arquitetónica do espaço e o território através dos materiais usados. Também tem a ver com sombras e luz, e como isso altera o comportamento visual das peças, capturando uma ideia temporal, como os relógios de sol”, explica.