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Óbito/Balsemão
O jornalista que nunca deixou de ser político

Francisco Pinto Balsemão, que morreu terça-feira aos 88 anos, foi uma personalidade incontornável da história dos media em Portugal, um jornalista que nunca deixou de ser político, tendo como "fio condutor" a luta pela liberdade de expressão e o direito a informar


Autor: Lusa/AO Online

Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nasceu em 01 de setembro de 1937, em Lisboa, "de cesariana, na Casa de Saúde das Amoreiras", teve uma "infância fechada, mas desafiante, dourada, mas exigente", relata o fundador do Expresso e da SIC, no seu livro "Memórias", onde diz esperar ter contribuído para deixar o mundo "um pouco melhor".

"Do que fiz na vida, colocaria como fio condutor e como objetivo cimeiro, exercido e conseguido de diversas maneiras, consoante as épocas e as responsabilidades, a luta pela liberdade de expressão em geral e, em especial, pelo direito a informar e a ser informado", afirma Francisco Pinto Balsemão na página 'online' de apresentação da Impresa, dona do Expresso e da SIC, entre outros.

Jornalista, empresário e político português, Francisco Pinto Balsemão foi um dos fundadores do Partido Social Democrata (PSD), primeiro-ministro entre janeiro de 1981 e junho de 1983 e presidente do partido entre 1980 e 1983.

"Estávamos em 1963, eu tinha 25 anos, e surgiu, de certo modo preparada pelo meu pai e, sobretudo, talvez, pelo tio Xico, a oportunidade de ir ocupar um lugar no Diário Popular", que não existia, que era o de secretário de direção, relata Balsemão.

Estava dado o primeiro passo no caminho dos media: "O Diário Popular foi, para mim, uma grande escola, uma excelente pós-graduação, como agora se diz", prossegue, no seu livro, o empresário.

"Ao serviço do Diário Popular escrevi notícias ou entrevistas, desloquei-me com frequência em reportagem ao estrangeiro, ganhei fontes e contactos, participei em conferências, consegui trazer a Portugal personalidades de relevo mundial, como foi o caso, em 1968, do cirurgião Christian Barnard, que realizara, meses antes, o primeiro transplante de coração", exemplifica.

Em entrevista ao Expresso, publicada em 06 de janeiro de 2023, Francisco Pinto Balsemão conta como se rendeu à comunicação social: "Envolvi-me e apaixonei-me pelo jornalismo através talvez de uma vocação profissional que desenvolvi desde os tempos, já muito remotos, em que trabalhei na redação do Diário Popular".

A criação "do Expresso e de outros títulos, a criação da SIC e da SIC Notícias, dos canais do cabo, dos 'sites', mais recentemente da Opto, correspondem a essa vocação profissional. Como há quem escolha a medicina, como há quem escolha a arquitetura ou a engenharia, eu escolhi o jornalismo", diz, na entrevista.

E acrescenta: "Ainda hoje, aliás, me considero jornalista", referindo o seu "orgulho" em ter a Carteira Profissional com o "número 18".

Recuando no tempo, Balsemão conta, na sua autobiografia, que com a morte política de Salazar - em 1968 - sentiu a "necessidade, ou talvez a obrigação, de uma maior intervenção política".

Em 1969 houve eleições "e integrei a chamada Ala Liberal do Parlamento, sem abandonar as minhas funções no Diário Popular", prossegue, sendo que, no ano seguinte, uma das suas iniciativas foi a apresentação, "com Francisco Sá Carneiro, de um projeto de Lei de Imprensa", que foi rejeitado.

Este projeto "provocou a indignação de Brás Medeiros e, por influência deste, do meu tio Xico. Ideias constantes desse projeto, como a criação de Conselhos de Redação com alguns poderes, assustaram muita gente na altura", relata.

Sobre a Ala Liberal, conta que "ao contrário do que se pensa, nunca foi um grupo político organizado", mas antes "surge como expressão do desalento de um número reduzido de deputados da X Legislatura da Assembleia Nacional (1969/1973)".

Nos três anos que se seguiram "e aproveitando a visibilidade que fui ganhando como deputado, nunca descurei a luta pela liberdade de expressão, embora, como era minha obrigação, o meu campo de atuação política tenha sido mais vasto", diz.

Entretanto, a partir de 1972 começou a "magicar no Expresso" e, em janeiro do ano seguinte, o jornal nasce.

Um jornal "onde investi parte do dinheiro que arrecadara com a venda da minha quota na sociedade proprietária do Diário Popular".

Em 1973, os principais grupos de media estavam nas mãos de proprietários afetos ao Governo.

Na origem do semanário "estava a minha vontade de provar a mim próprio, à família e ao mundo que era capaz de lançar e triunfar um projeto inovador na área da imprensa". Na altura tinha 34 anos.

Entretanto, passa pelo Governo durante três anos e meio (um como ministro adjunto de Sá Carneiro e dois anos e meio como primeiro-ministro) e regressa à Duque de Palmela (onde ficava o Expresso na altura) em junho de 1983, depois "de uma breve pausa para descansar e lamber as feridas causadas pela política e, sobretudo", pelo seu partido.

Em 1988, o Governo reprivatiza os media que tinham sido nacionalizados, e é aberto um concurso público para a venda de A Capital e a proposta da Sojornal vence.

"A Capital foi um bom negócio desde que a adquirimos, em 1988, até 1999", quando em novembro desse ano, o diretor do título António Matos propôs à Sojornal um "acordo de cavalheiros" e transferiu-se a propriedade, sem custos, para o diretor e trabalhadores que aderiram à iniciativa, diz.

Outro investimento nos media foi o Jornal da Região, "outra experiência que, como no caso de A Capital, funcionou bem durante algum tempo, mas não resultou em pleno" e teve de ser vendido.

A vida profissional de Balsemão "foi-se concentrando, a partir de 1990, no projeto SIC e isso prolongou-se até hoje".

Em 06 de outubro de 1992 nasceu a SIC, com o advento dos canais privados, um projeto que era para um canal generalista, mas que hoje conta com cinco canais temáticos - SIC Notícias, SIC Radical, SIC, Mulher, SIC Kids e SIC Caras -, mais a SIC Internacional, e o 'streaming' Opto, lançado em novembro de 2020.

Sobre o 'clube' Bilderberg, conta que em "todo o seu historial" neste grupo "a coroa de glória terá sido a organização e concretização do plenário em Portugal, em 1999", que contou com o apoio dos chefes de Estado e do Governo de então.

Amante de música, tocava piano e bateria, mas a atividade musical onde atingiu os seus "poucos ambiciosos louros foi como pianista", relata, referindo que foi a sua mãe que "criou as condições" para que gostasse de ouvir e tocar música.

Teve "o privilégio de viver durante mais de oito décadas de intensa transformação", refere, apontando recordar-se "do fim da II Grande Guerra e do fim da Guerra Fria".

"Vi Armstrong pisar a lua e a sonda Curiosity deslizar em Marte. Fui amplamente contemplado pela revolução digital. Beneficiei do 25 de Abril e contribui, na política, no jornalismo, no associativismo e, mais tarde, no ensino para que Portugal fosse uma democracia de padrão ocidental", recorda.

"Lutei pela nossa adesão à CEE e pela nossa entrada na moeda única e continuo a lutar por uma União Europeia em que acredito" e "desfruto de um ambiente familiar muito positivo: uma mulher, cinco filhos e 14 netos que me acompanham e procuro acompanhar".

Agora, "resta saber se (...) consegui contribuir para deixar o mundo, pelo menos o mundo que me rodeia, um pouco melhor", afirma, rematando: "Hoje e sempre, a única obrigação moral que poderá ser exigida ao Homem, para que seja 'mais do que matéria físico-química', é que procure deixar o mundo onde nasceu, seja esta a Terra ou algo mais vasto, melhor do que o encontrou".