O adeus a Vítor Boga, o artista continental que pintou a açorianidade
21 de jan. de 2022, 13:37
— Célia Machado/AO Online
“O meu pai nasceu na Vila Alva,
Alentejo, no dia 10 de dezembro de 1950 e faleceu em Homerton,
Londres, no dia 15 de janeiro de 2022. (...) Ele era um bom homem,
generoso e sempre se oferecia para ajudar o próximo, sem pensar duas
vezes”.
Foi assim que Mateus Boga, um dos
filhos mais novos do pintor, deu a notícia nas redes sociais,
acrescentando que “ele faleceu em paz, rodeado da sua família, e
merece cada lágrima que se chorar por ele. Pode já não estar entre
nós, mas a sua memória permanecerá”.
O artista multifacetado, já tinha
percorrido um longo caminho quando colocou os pés no Pico. No
continente, havia-se dedicado, profissionalmente, tanto à
arquitetura de interiores como às artes gráficas, mas, em
simultâneo, dava continuidade aos trabalhos em aguarela, pastel,
carvão, stencil e acrílico, sendo este último o seu favorito.
Durante os anos que esteve na ilha,
juntou o que dizia ser os símbolos açorianos, os quais passaram a
marcar os seus trabalhos, a maioria em acrílico sobre tela, tendo
como fundo o azul dos nossos mares. A caça à baleia, o homem rural
do Pico, os barcos, a Montanha, as sereias, a viola da terra, os
grupos de música tradicional e as casas de pedra são alguns deles.
Com a também artista Fátima Madruga,
do Pico, partilhou telas e criou e apresentou, em 1989, o livro “A
Terra dos Biosótis”, que foi levado a diversos espaços do Pico de
forma única: com teatro de fantoches, que cativou os diversos
públicos; já a solo, foi o autor (texto e ilustração) da banda
desenhada de ficção científica “O Urtiga – O Último Elemento”
que, antes da publicação em livro (2003), foi apresentada,
faseadamente, no jornal “Ilha Maior”. Realizou ainda diversas
exposições, ilustrou livros de poesia e fez cartazes, entre outros.
Fernando Silva, presidente da Casa do
Povo de Santa Luzia, foi, tal como a restante comunidade, apanhado de
surpresa com a notícia do falecimento do artista.
Em Santa Luzia, Vítor Boga fixou
residência, poucos meses depois de ter feito uma visita ao Pico.
"Um homem simples, de trato fácil,
muito prestável, que se integrava muito bem, embora fosse uma pessoa
mais isolada". Com estas palavras Fernando Silva recorda Vítor
Boga, que foi igualmente membro do Grupo Folclórico da Casa do Povo
(GFCP) da freguesia, fundado em junho de 1999. "Integrou o grupo
praticamente no início do mesmo e manteve-se connosco até ir embora
do Pico. Para além de tocar viola da terra, também arranjava os
instrumentos de corda sempre que lhe era solicitado e ajudava no que
era preciso", continua o responsável.
Em 2006, Vítor Boga foi também
responsável pelo grafismo do CD "Bailhos de Roda", lançado
pela instituição, e na sede da mesma, desde 2004, que um quadro de
consideráveis dimensões, assinado pelo pintor, eterniza quem
compunha o GFCP há quase duas décadas.
Na verdade, Vítor Boga havia vindo
para o Pico sem data de partida. Apaixonou-se pelo verde da ilha e
pela viola da terra, como o próprio afirmava. E, apesar de quase
nada conhecer sobre instrumentos de cordas, passou a tocar viola da
terra e até a construir desses instrumentos tradicionais.
Após quase 20 anos no Pico, rumou para
o Alentejo, onde continuou o seu trabalho de pintor, e de lá para
Inglaterra, onde acabou por falecer.
Deixa uma vasta obra um pouco por toda
a Região, principalmente telas em coleções públicas e
particulares, como na Cedars House - residência oficial do
presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores - e no
Centro Multimédia de São Roque do Pico.
Aquando da sua despedida do Pico
afirmou, ao “Jornal do Pico”, que a ilha tinha sido o seu
“exílio” e o mar o seu “melhor conselheiro” mas que fora
também observador das suas gentes e, por isso, viu e sentiu “que
as pessoas são muito fortes”.
Chegada a hora de partir, deixou a
garantia de que ia continuar a pintar os Açores com o que guardara
na memória.