Novo texto só permite eutanásia se suicídio assistido for impossível
Eutanásia
29 de mar. de 2023, 17:17
— Lusa/AO Online
“A morte medicamente assistida
só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido
for impossível por incapacidade física do doente”, é estabelecido num
novo ponto acrescentado ao artigo 3.º do decreto que regula as condições
em que a morte medicamente assistida não é punível e ao qual a Lusa
teve acesso.Esta é uma das alterações
propostas pelos deputados ao último decreto aprovado pelo parlamento e
que acabou chumbado pelo Tribunal Constitucional no final de janeiro,
embora não por esta razão.Uma das
inconstitucionalidades apontadas pelos juízes do Palácio Ratton ao
último decreto era o facto de o legislador ter feito “nascer a dúvida”,
na definição de ‘sofrimento de grande intensidade’, se a exigência de
sofrimento físico, psicológico e espiritual era cumulativa ou
alternativa. Em comparação ao último
decreto, é retirada totalmente a referência a sofrimento físico,
psicológico e espiritual, mantendo-se os termos da restante definição.Neste
novo texto, ‘sofrimento de grande intensidade’ é definido como “o
sofrimento decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva
de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado
ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”. Já
no artigo 9.º, referente à ‘concretização da decisão do doente’ lê-se
que “o médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos
disponíveis para praticar a morte medicamente assistida, designadamente a
autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a
administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente
habilitado para o efeito, mas sob supervisão médica”, acrescentando-se a
frase: “quando o doente estiver fisicamente incapacitado de
autoadministrar fármacos letais”. Deste ponto foi retirada a frase “sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente”. O diploma sobre a morte medicamente assistida vai ser reapreciado pelos deputados na sexta-feira. A
morte assistida é o ato que leva à morte de um doente por sua vontade,
através do ato de um profissional de saúde (eutanásia) ou através de
suicídio assistido.Nas declarações de voto
dos juízes do Tribunal Constitucional, que acompanharam o acórdão de 30
de janeiro, que considerou inconstitucionais algumas normas do último
decreto, alguns juízes abordaram a questão de a eutanásia poder estar
condicionada à impossibilidade do suicídio medicamente assistido. Por
exemplo, o presidente do TC, João Caupers, defendia que “a eutanásia
não pode constituir uma alternativa livre: o recurso a ela deve estar
condicionado à impossibilidade do suicídio assistido”.“Apenas desta forma se pode respeitar o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade”, considerava.No
final de janeiro, o Tribunal Constitucional (TC) declarou
inconstitucionais algumas das normas do decreto que pretendia regular a
morte medicamente assistida, em resposta ao pedido de fiscalização
preventiva do Presidente da República. Na
altura, o TC considerou que foi criada “uma intolerável indefinição
quanto ao exato âmbito de aplicação” do decreto, concluindo que, ao
caracterizar a tipologia de sofrimento em "três características
("físico, psicológico e espiritual") ligados pela conjunção "e", são
plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste
pressuposto".Contudo, no mesmo acórdão, o
TC considerou constitucionais as definições de “doença grave e
incurável” e de “lesão definitiva de gravidade extrema” contidas naquele
decreto, conceitos que tinham suscitado dúvidas ao Presidente da
República. A Assembleia da República vai
ter de aprovar pela quarta vez uma lei sobre a morte medicamente
assistida, tema que já foi travado por duas vezes após
inconstitucionalidades detetadas pelo TC e uma outra através de um veto
político do Presidente da República.