“Na minha vida adulta, acho que fui potenciando esses mundos que me foram sendo abertos na infância”
1 de set. de 2024, 08:00
— Ana Carvalho Melo
Maria Emanuel Albergaria, mãe de Júlia, Laura e Alice e avó de dois
netos (Violeta e João), possui uma carreira profundamente moldada pela
sua infância rica em experiências e pela sua educação diversificada. Nascida
em Ponta Delgada, no seio de uma família numerosa, cresceu numa quinta
no Pópulo, rodeada de liberdade e natureza, onde desenvolveu, desde
cedo, uma forte ligação ao meio ambiente, aos animais e às plantas, e à
diversidade de maneiras de ser, influenciada pelas brincadeiras ao ar
livre e também pelo convívio com os trabalhadores da quinta.“Fui a
neta mais velha, tanto do lado materno como do lado paterno, pelo que
devo ter sido bastante mimada por avós, tios e tias. Mas a seguir vieram
logo muitos irmãos e primos também”, conta. “Tenho memórias de uma
grande liberdade, de brincar à vontade. Não havia limites. Podíamos
explorar. Eu brinquei com terra, com bichos, com minhocas. Por isso,
tenho toda esta relação com a natureza, e com a experimentação, que acho
que foi muito importante”, confessa.A sua educação formal começou
de forma hesitante, uma vez que, após a liberdade da infância, a escola
inicial lhe parecia restritiva. Contudo, com o passar do tempo, Maria
Emanuel Albergaria começou a apreciar a escola, especialmente durante o
ciclo preparatório na Escola Roberto Ivens, onde foi influenciada por
professores inspiradores como Tomaz Borba Vieira, que despertou nela um
interesse profundo pelas artes, e Ana Maria Moniz da Ponte Neto
Viveiros, que a introduziu ao mundo dos museus e da história. Esta
última teve um papel crucial na sua decisão de seguir uma carreira que
combinasse cultura, educação e história.“A primeira vez que fizemos
uma visita ao Museu Carlos Machado foi com a professora Ana Maria. Fomos
ver uma exposição que vinha do Museu do Traje de Lisboa e aquilo
marcou-me. Eu adorei todo o ambiente do museu e a exposição, voltei não
sei quantas vezes sozinha”, relata.Foi também enquanto aluna do
ensino preparatório que viveu o 25 de Abril, uma revolução que veio
moldar a sua forma de ser e de estar na vida.A influência familiar
também foi determinante, tendo a mãe e a avó como figuras marcantes,
mas também o seu pai. “Na minha vida adulta, acho que fui potenciando
esses mundos que me foram sendo abertos na infância. O meu pai tinha um
lado de ser um comunicador, gostava de contar histórias e falar com todo
o tipo de pessoas, era bastante democrático, o que me marcou. E acho
que isso foi muito importante”, realça.Também o avô, médico
oftalmologista, a marcou pela sua generosidade e por ser “uma pessoa
muito terra a terra”, que “dizia tudo o que lhe vinha à cabeça”. Entre
as influências familiares recorda também a sua tia Ana Vieira, uma
artista plástica que incentivou a sua criatividade desde tenra idade. E a
convivência com figuras intelectuais e artísticas, como o tio Eduardo
Nery, que lhe permitiu abrir horizontes e alimentar o seu interesse por
áreas tão diversas como a mitologia, astronomia e as ciências sociais.Também a marcaram a avó paterna, uma pessoa muito generosa, e todos os seus tios e tias. Aos
19 anos e já mãe, Maria Emanuel Albergaria emigrou para o Canadá com a
família, onde estudou artes e pedagogia. “No Canadá estudei artes
visuais, experimentei desde escultura, a pintura, desenho, ilustração,
entre outras áreas. E depois fiz um curso de pedagogia, que me
interessava também, na área da educação infantil”, relata.Ao
regressar a Portugal, Maria Emanuel Albergaria decidiu aprofundar o seu
conhecimento em Antropologia, uma área que combinava o seu interesse
pelas ciências sociais com a sua experiência internacional. Em Lisboa,
completou a sua formação e começou a lecionar, passando por várias
escolas em Portugal Continental, onde desenvolveu uma sensibilidade
especial para as questões sociais e educativas.O seu percurso como
professora, que se estendeu por quase duas décadas, foi marcado por uma
abordagem inovadora e pelo envolvimento em projetos que iam além do
ensino convencional. Trabalhou em contextos desafiadores, como bairros
sociais e prisões, sempre com o objetivo de adaptar a educação às
realidades dos alunos e de promover uma aprendizagem mais inclusiva e
significativa. “A escola tradicional tem que mudar muita coisa, na minha
ótica, porque muitas vezes está completamente divorciada dos contextos
de onde crescem as pessoas, as crianças, e depois querem impor um modelo
que muitas vezes não tem nada a ver e que podia ser adaptado”, defende.A
sua paixão pelos museus e pela educação culminou no convite para
integrar, em 2006, o Museu Carlos Machado, onde desempenhou um papel
fundamental no Serviço Educativo. Através de projetos como o Museu
Móvel, Maria Emanuel Albergaria pôde explorar e valorizar as diversas
comunidades da Ilha de São Miguel, aprofundando o seu conhecimento sobre
a cultura e a história local, numa perspetiva de democracia cultural. O
trabalho no museu permitiu-lhe conciliar as duas grandes paixões: a
antropologia e as artes.“No museu, foi-me dada a oportunidade,
através do Museu Móvel, de começar a trabalhar sobre o Património
Cultural Imaterial dos Açores, especialmente de São Miguel. Fiz vários
trabalhos na comunidade, como um nas Sete Cidades, que durou alguns anos
e foi muito, muito interessante para todos”, afirma, acrescentando:
“Interessa-me muito o lado mais invisível da história e das comunidades,
porque normalmente a história dos Açores tem sido contada sempre numa
ótica dos protagonistas e a mim interessa-me conhecer outras
narrativas”.Nos últimos cinco anos, Maria Emanuel Albergaria tem-se
dedicado ao Plano Nacional das Artes, onde continua a explorar novas
metodologias educativas e a promover projetos culturais inovadores. O
seu trabalho é caracterizado por uma constante busca de equilíbrio entre
o respeito pelas ancestralidades e a necessidade de adaptação às
mudanças contemporâneas, especialmente no que diz respeito à educação e à
sustentabilidade. “O meu trabalho no Plano Nacional das Artes tem sido
muito interessante, pois permite conhecer projetos educativos
inovadores, que acho que são muito importantes para o futuro, porque o
futuro também passa por uma aposta forte na educação”, destaca.Com
um foco crescente no interesse pela produção hortícola e no impacto
ambiental, Maria Emanuel mantém-se uma defensora ativa de uma sociedade
mais justa e sustentável, tanto a nível local como global.