Municípios do continente são muito assimétricos em relação ao bem-estar dos cidadãos
25 de jul. de 2022, 10:56
— Lusa/AO Online
O
estudo “Territórios de Bem-Estar: Assimetrias nos municípios
portugueses”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e
coordenado por Rosário Mauritti, do ISCTE, identificou em que medida o
conceito de bem-estar é influenciado por assimetrias nas condições de
vida que caracterizam municípios de Portugal continental.À
Lusa, Rosário Mauritti explicou que a equipa analisou “a realidade das
pessoas e a forma como elas percecionam e apreciam as suas experiências e
sobre elas produzem algum sentimento de satisfação”, a partir de dados
do Instituto Nacional de Estatística e casos de estudo.Até
agora, Portugal tem sido considerado como um todo homogéneo,
normalmente em comparação com os restantes países europeus, mas este
estudo vem demonstrar que o território do continente português é muito
diverso.O estudo organizou os municípios
do continente em função de características semelhantes, como densidade,
estrutura de distribuição das idades das populações, perfil educativo,
socioprofissional e de rendimentos, e chegou a cinco grupos: territórios
industriais em transição, territórios intermédios, territórios urbanos
em rede, territórios inovadores e territórios de baixa densidade.A
análise teve em conta dimensões associadas ao bem-estar, como os
contactos sociais, o equilíbrio entre trabalho e a família, saúde,
habitação, segurança, sociedade digital, participação cívica, educação e
cultura, trabalho digno e qualidade ambiental.“O
que nós confirmámos é que o bem-estar não significa o mesmo em todos os
lugares, nem para todas as pessoas, mas é possível perceber que os
territórios onde vivemos influenciam a forma como nós apreciamos o nosso
bem-estar. E percebemos também que não é possível dizer que há
territórios que são totalmente bons e territórios que são totalmente
maus”, disse Rosário Mauritti.Por exemplo,
Lisboa, Porto, Coimbra, Alcochete, Oeiras e Cascais são os municípios
classificados como territórios inovadores, por serem mais favorecidos e
terem níveis económicos próximos da média europeia, onde em geral “as
pessoas têm trabalhos muito qualificados e acesso a recursos que compõe
aquilo que é a oferta do Estado social”.“Nesses
territórios há um segmento de população muito específico que vive muito
bem e que vive de acordo com padrões que nós podemos considerar, de
facto, padrões de uma modernidade muito avançada. Mas esses territórios
também são precisamente os mais desiguais, onde há uma maior clivagem
nos rendimentos, onde encontramos bacias muito significativas de pobreza
associada à diversidade étnica, à diversidade de perfis
qualificacionais e, portanto, associados a padrões de rendimentos que
também são muito assimétricos”, afirmou, salientando que nestes seis
concelhos “é muito difícil às populações conciliarem a sua vida
profissional com a vida pessoal e familiar” e “existe maior
precariedade”.No extremo oposto, estão os
territórios de baixa densidade, dos quais fazem parte quase 40% dos
municípios portugueses, com apenas 8% da população, caracterizados por
níveis de despovoamento, envelhecimento e pelo empobrecimento
estrutural.No entanto, é nestes
territórios que há índices maiores de bem-estar: “As pessoas mais velhas
que vivem sozinhas estão mais protegidas” e um indicador objetivo
demonstra que a esperança média de vida “tende a ser prolongada”, porque
“existem estruturas associativas que são dinamizadas pelas próprias
comunidades e que asseguram um apoio de proximidade” que não se consegue
obter nas cidades de média ou grande dimensão.Rosário
Mauritti salientou ainda que nos territórios industriais em transição,
que envolvem zonas de operariado do Vale do Ave, Tâmega e Sousa, Cávado,
onde “a população adulta continua a ter um perfil qualificacional baixo
ou muito baixo”, existe uma crescente “dinâmica de adesão e mobilização
dos jovens à escolarização”, motivada pela “implantação nessas regiões
de uma nova indústria de ponta muito ligada às tecnologias” e centros
universitários de inovação tecnológica, em Guimarães, Braga e Porto.“Este
potencial de inovação e de reconversão, que é extremamente
interessante, é um fator muito preditor, por exemplo, do sentido de
bem-estar que nós não encontramos nos territórios inovadores. O trabalho
pode ter uma média de remuneração das mais baixas do continente de
Portugal, mas o facto de as pessoas terem um trabalho estável
permite-lhes construir horizontes de futuro e construir projetos que nos
espaços mais dotados de capacidade económica, precisamente onde grassa a
precariedade, não são tão fáceis”, sublinhou.A
autora destacou que o estudo “confirma a importância da criação de
instrumentos” que podem ser utilizados para que autarquias e regiões
definam estratégias e políticas públicas focadas nas pessoas e nos seus
contextos.“Quando olhamos para os
objetivos estratégicos que Portugal definiu para 20/30, aquilo refere-se
à média de Portugal. O que acontece é que Portugal é muito assimétrico
e, portanto, é importantíssimo termos instrumentos para descer ao nível
das pessoas, se queremos construir políticas que sejam de facto
impactantes e que tenham significado”, concluiu.O
estudo revela ainda que a qualidade do ambiente “é um dos traços mais
valorizados nas apreciações de bem-estar”, assim como o equilíbrio entre
trabalho e vida familiar.Mais de metade da população vive em 30 dos 278 municípios no continente e em 96% destes há mais idosos do que crianças.Em
28% dos municípios do continente de Portugal, mais de metade das
famílias são pobres e foram os municípios onde os rendimentos são mais
baixos os que mais perderam população jovem.O
estudo, que contou também com Daniela Craveiro, Luís Cabrita, Maria do
Carmo Botelho, Nuno Nunes e Sara Franco da Silva, será apresentado hoje,
às 09:00, num evento digital no ‘site’ da FFMS, em www.ffms.pt.