MP pede prisão efetiva para ex-presidente e antigo vereador
Pedrógão Grande
11 de nov. de 2021, 15:25
— Lusa/AO Online
“Atenta
a quantidade de crimes, a gravidade, as molduras abstratas, a
reiteração, achamos que devem ser condenados a penas de prisão efetiva”,
afirmou a procuradora da República Catarina Lopes nas alegações finais
no julgamento do Tribunal Judicial de Leiria que decorre na Exposalão,
Batalha.A magistrada do Ministério Público
(MP) admitiu que, caso o tribunal entenda que se trata “apenas de uma
resolução criminosa” e opte pela suspensão da pena, “essa suspensão não
pode ser só daquelas com pouca eficácia”, mas tem de incluir a reposição
de montantes monetários.Valdemar Alves e
Bruno Gomes estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular
de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de
burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação, no processo sobre
alegadas irregularidades na reconstrução de habitações na sequência dos
fogos de junho de 2017.Nas alegações, que
demoraram duas horas e 15 minutos, Catarina Lopes considerou que “estão
provados todos os factos descritos na acusação”, pedindo, igualmente, a
condenação dos restantes 26 arguidos.Para
a magistrada do MP, os antigos autarcas de Pedrógão Grande, no distrito
de Leiria, “atuaram em conluio, e comunhão de esforços e de vontades”,
não respeitando as normas legais com intenção de beneficiar os outros
arguidos, alguns dos quais seus amigos pessoais.Por
outro lado, sustentou que com a sua atuação “prejudicavam os municípios
de Castanheira de Pera e de Figueiró dos Vinhos”, também atingidos
pelos incêndios em 2017, assim como “prejudicavam outras famílias que
precisavam, essas sim, de apoio realmente”, classificando isto como “o
mais chocante da atuação dos arguidos”.A
magistrada do MP sustentou que Valdemar Alves e Bruno Gomes “sabiam que
desta forma iriam obter benefício, não a nível económico, mas a nível
político”, no âmbito do “prestígio político que, com este feito, a
reconstrução da quase totalidade das casas”, poderiam aceder a outros
cargos.Quanto aos outros 26 arguidos, a
procuradora da República, que passou a representar o MP neste julgamento
em setembro, após as férias judiciais, defendeu que “devem ser
condenados em penas de prisão suspensas”, pedindo, igualmente quanto a
estes acusados, “condições de suspensão efetivas e eficazes, que passem
por devolver tudo aquilo que receberam, aqueles que ainda não o
fizeram”.Assinalando que estes agiram com
dolo e prestaram falsas declarações, Catarina Lopes elencou os “vários
estratagemas que usaram”, como a alteração da morada fiscal, a renovação
do cartão do cidadão ou pedidos de atestados de residência falsos, “com
intenção de induzirem em erro as entidades”.Catarina
Lopes referiu-se ainda ao depoimento de várias testemunhas dos arguidos
que disseram em julgamento “coisas inverosímeis, a roçar o absurdo e
até ofensivas para o tribunal”.“[Os
arguidos] simularam uma situação com instrução de documentos falsos,
mas, além disso, forjaram documentos, prestaram declarações falsas e
ainda tiveram a coragem e a ousadia de apresentar testemunhas deste
calibre”, criticou.No início das alegações
finais, a procuradora da República começou por falar da solidariedade,
nacional e internacional, com donativos, desencadeada pelos incêndios,
que provocaram 66 mortos e 253 feridos, e destruíram cerca de 500 casas,
261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.De
seguida, apontou a resposta “muito pronta e célere até ao nível de
criação de legislação, para tentar resolver o problema que se tinha
criado desta envergadura”, concretizando com o Revita, fundo de apoio às
populações e à revitalização das áreas afetadas pelos incêndios
ocorridos em junho de 2017. Catarina Lopes
destacou o regulamento do Revita, assim como protocolos celebrados por
este fundo com outras entidades, para frisar, por mais do que uma vez,
que “a atribuição dos apoios tem como prioridade a reconstrução ou
reabilitação de habitação permanente e respetivo apetrechamento”.“Estipulou-se
sempre que o objetivo do apoio inicialmente era para as habitações
permanentes, porque o fundo não era um saco sem fundo, tinha limites e
não chegava para tudo”, observou.A
magistrada do MP recordou depois uma resolução do Conselho de Ministros
sobre empréstimos bancários para recuperar segundas habitações
danificadas ou destruídas pelos incêndios.Reconhecendo
que na legislação que surgiu no âmbito destes fogos não consta a
definição de habitação permanente, Catarina Lopes recorreu ao dicionário
para a concretizar – “sempre, continuadamente, continuamente,
seguidamente” -, citando, a este propósito, também, a Lei de Bases da
Habitação ou o Código do IRS.Para o MP, a
legislação aplicável neste caso em julgamento quando se refere à
habitação permanente é o local onde a pessoa vive sempre, de forma
continuada, estável e duradoura e que corresponde ao seu domicílio
fiscal.Segundo a magistrada do MP,
Valdemar Alves e Bruno Gomes “promoveram a reabilitação de casas que
estavam identificadas pela Câmara como segundas habitações ou habitações
não permanentes”.“Ambos sabiam que os
requerimentos para apoio pelo fundo seriam rejeitados pela Comissão
Técnica e pelo Conselho de Gestão [do Revita] se deles constasse que
antes dos incêndios eram casas em ruínas, devolutas ou habitações não
permanentes”, realçou a procuradora da República.As alegações finais prosseguem hoje à tarde.