Morte de doente mental agrava medos da eutanásia na Bélgica
16 de fev. de 2018, 11:33
— Lusa/AO online
O
caso é descrito numa carta enviada à Associated Press (AP), escrita por
um médico que renunciou à comissão de eutanásia da Bélgica em protesto
contra a posição deste grupo em relação a este e a outros casos.Alguns
especialistas dizem que o caso, tal como explicado na carta, equivale a
assassinato: o paciente não tinha a capacidade mental para pedir a
eutanásia e a solicitação para que o paciente acamado fosse morto veio
de familiares. Os copresidentes da comissão dizem que o médico reportou
equivocadamente esta morte como eutanásia.Embora
a eutanásia tenha sido legalizada na Bélgica em 2002 e tenha um forte
apoio público, as críticas suscitaram preocupações nos últimos meses
relativamente a certas práticas, incluindo a rapidez com que alguns
médicos aprovam pedidos de morte de pacientes com problemas
psiquiátricos.A
AP revelou no ano passado um desentendimento entre Willem Distelmans,
copresidente da comissão de eutanásia, e Lieve Thienpont, que foi
advogado de alguns doentes mentais que solicitaram eutanásia. Distelmans
sugeriu que alguns pacientes de Thienpont poderiam ter morrido sem
atender a todos os requisitos legais. Após
os relatos reportados pela AP, mais de 360 médicos, académicos e outros
assinaram uma petição a pedir um controlo mais apertado sobre a
eutanásia para pacientes psiquiátricos.A
eutanásia - quando os médicos induzem a morte a pacientes a seu pedido -
pode ser concedida na Bélgica a pessoas com doenças físicas e de saúde
mental. A condição não precisa de ser fatal, mas o sofrimento deve ser
"insuportável e incurável". Só pode ser executado se os critérios
específicos forem cumpridos, incluindo um pedido "voluntário, bem
fundamentado e repetido" da pessoa.Mas,
numa carta de demissão escrita em setembro aos líderes dos partidos no
parlamento belga que escolhem os elementos do grupo, o neurologista Ludo
Vanopdenbosch acusou a comissão da eutanásia da Bélgica de violar a lei
de forma rotineira.O
exemplo mais marcante, segundo a missiva de Vanopdenbosch, ocorreu numa
reunião, no início de setembro, quando o grupo discutiu o caso de um
paciente com demência grave e que também teve doença de Parkinson. Para
demonstrar a falta de capacidade do paciente, foi registado um vídeo em
que o neurologista o caracteriza como “profundamente demente”.O
paciente, cuja identidade não foi revelada, foi eutanasiado a pedido da
família, de acordo com a carta de Vanopdenbosch. Não houve registo de
qualquer pedido prévio de eutanásia do paciente, acrescentou.Depois
de horas de debate, a comissão recusou encaminhar o caso para o
Ministério Público para que investigasse se havia matéria criminal.Vanopdenbosch confirmou que a carta era genuína, mas não fez mais comentários sobre o caso específico.Os
dois copresidentes da comissão de eutanásia, Distelmans e Gilles
Genicot, disseram que o médico que tratava o paciente classificou
erradamente o caso como eutanásia, quando deveria tê-lo classificado
como sedação paliativa. A sedação paliativa é o processo de drogar os
pacientes perto do fim da vida para aliviar os sintomas, mas não está
destinado a acabar com a vida."Este
não era um caso de eutanásia ilegal, mas sim um caso de decisão
legítima de fim de vida, considerada inadequadamente pelo médico como
eutanásia", consideraram Genicot e Distelmans.
Vanopdenbosch, que também é especialista em cuidados paliativos,
escreveu que a intenção do médico era "matar o paciente" e que "os meios
para aliviar o sofrimento do paciente eram desproporcionais".Embora
ninguém fora da comissão tenha acesso aos registos médicos do caso - o
grupo não está permitido por lei a divulgar essa informação - alguns
críticos ficaram chocados com os detalhes na carta de Vanopdenbosch."Não
é eutanásia porque o paciente não perguntou, por isso é a retirada
voluntária de uma vida", disse An Haekens, diretor psiquiátrico do
Hospital Alexianen Psiquiátrico, em Tienen, na Bélgica. "Não conheço
outra palavra além do assassinato para descrever isso", acrescentou.Kristof
Van Assche, professor de direito da saúde na Universidade de Antuérpia,
escreveu num texto enviado por correio eletrónico que a própria
comissão não violava a lei porque o grupo não é obrigado a encaminhar o
caso [para o Ministério Público], a menos que dois terços do grupo
concorde, mesmo que os critérios sejam "descaradamente despropositados"
para eutanásia.Sem
um pedido do paciente, o caso "normalmente seria homicídio ou
assassinato", escreveu. "A principal questão é que este caso não foi
considerado suficientemente problemático" para levar a comissão a
encaminhar o caso para os procuradores.Vanopdenbosch,
que na carta se designa como "grande crente" na eutanásia, citou outros
problemas com a comissão. Disse que quando expressou preocupações sobre
casos potencialmente problemáticos, foi "silenciado" por outros e
acrescentou que, porque muitos dos médicos da comissão estão
hierarquicamente acima dos praticantes de eutanásia, eles podem
proteger-se mutuamente do escrutínio e agir com “impunidade".O
neurologista escreveu que, quando os casos de eutanásia são
identificados como não atendendo aos critérios legais, não são
encaminhados para o Ministério Público, como é exigido por lei, atuando a
própria comissão como tribunal.Desde
que a eutanásia foi legalizada na Bélgica, há 15 anos, mais de 10 mil
pessoas foram eutanasiadas e apenas um desses casos foi encaminhado para
investigação.Genicot
e Distelmans garantiram, contudo, que o grupo avalia completamente
todos os casos de eutanásia para garantir que todos os requisitos legais
são cumpridos."Obviamente,
pode acontecer que algum debate surja entre os membros, mas o nosso
papel é garantir que a lei seja observada e, certamente, não
ultrapassá-la", disseram.Os
dois especialistas garantiram ainda que era "absolutamente falso" que
Vanopdenbosch tenha sido silenciado e lamentaram a sua renúncia.