Moradores de antigas vilas operárias de Lisboa só acreditam em obras quando as virem
Guilhermina Silva vive há nove anos na Vila Romão da Silva, na freguesia lisboeta de Campolide, e já ouviu tantos rumores sobre o destino daquele bairro, muito cobiçado por investidores imobiliários, que "só vendo" acredita na requalificação das habitações.

Autor: Lusa/Açoriano Oriental

"Tanta coisa já me disseram […], que eu só acredito vendo", referiu a moradora à agência Lusa durante uma visita ao espaço.

A Vila Romão da Silva está a alguns metros das Amoreiras, mas a sua degradação contrasta com aquele que é um dos locais mais desenvolvidos de Lisboa: as casas têm problemas estruturais, não há espaços verdes e o bairro parece fantasma, não fossem as 20 casas ocupadas de um conjunto de 37 frações (quatro são não habitacionais e 13 estão vagas).

Apesar do interesse de investidores imobiliários, a Câmara de Lisboa manteve esta vila sob sua alçada e agora vai requalificá-la, depois de quase 20 sem obras.

Na casa de Guilhermina Silva, os sinais de degradação são evidentes: "Tenho duas fossas dentro de casa, que já nem se usa. No tempo em que estamos, não se usa, isto é uma vergonha".

A empregada doméstica, que também já foi cozinheira, contou que a água entra pela janela e que, desde o início do inverno, foram já várias as toalhas que ali pôs para evitar a situação.

Apesar das dificuldades, gosta de ali viver por estar "perto de tudo", mas as obras "são mais do que precisas".

Também instalado na Vila Romão da Silva está o grupo de teatro independente "O Palmo e Meio".

Para o presidente da companhia, José Pinto, "esta é uma vila muito característica, com condições extraordinárias para fazer trabalhos culturais".

"É uma pena estar a ficar degradada, em todos os sentidos. Já se fizeram aqui bastantes trabalhos", confidenciou o também fundador do grupo, que ali está há 36 anos.

Apesar de alguns dos atores - todos amadores - já terem saído, a companhia, que se foca no teatro infantil, continua a fazer espetáculos, para os quais adapta obras de autores portugueses.

"De facto, necessitávamos aqui de outras condições. E até os habitantes", vincou José Pinto, indicando que o anfiteatro virado para o interior da vila, previsto no projeto de requalificação, vai ser "ótimo" porque permite fazer outros trabalhos e chamar "outras pessoas”.

Para o responsável, urge "dar outra imagem e outro conforto" ao bairro.

Na freguesia do Beato, o morador Rogério Tomás também apontou a necessidade de obras na Vila Bela Vista: "É importantíssimo mesmo".

"Esta [casa] precisa de muitas", afirmou, enquanto apontava para a fachada degradada e para o teto com infiltrações.

No espaço público, deve intervir-se no pavimento, que "é uma miséria".

Ali a situação é diferente, já que, dos 16 fogos, 10 são municipais e seis são privados - a casa de Rogério é um destes casos.

O que torna a vila especial, considerou, é a ligação que tem à família: "Foi aqui que fiz a minha infância, foi aqui que nasceram os meus tios e os meus irmãos. Tem toda a importância".

Maria Guilhermina Toríbio também foi parar à Vila Travessa de Paulo Jorge, em Belém, por influência de familiares, já lá vão 40 anos - os mesmos em que Rogério vive na Vila Bela Vista.

"Esta vila é muito sossegada, estamos dentro de Lisboa e no sítio mais bonito que Lisboa tem, que é Belém. E temos hospitais, temos escolas, supermercados", enumerou.

Das casas que são propriedade da câmara, 14 estão ocupadas e 11 devolutas. A de Maria Guilhermina é uma das mais arranjadas, com as fachadas pintadas de amarelo e ornamentadas com flores, mas nem todas são assim.

"O meu marido anda sempre a arranjar, mas há pessoas de mais idade que já não têm [capacidade]", disse à Lusa, salientando que "há casas que necessitam de obras no interior, não é só no exterior".

A Câmara de Lisboa fez um levantamento e identificou 33 pátios e vilas (de um conjunto de 61 de propriedade municipal) com potencial para serem requalificados.

Este ano, avança já a reabilitação de quatro - Vila Travessa de Paulo Jorge (em Belém), Vila Bela Vista (Beato) e vilas Elvira e Romão da Silva (Campolide) -, num investimento camarário de quase quatro milhões de euros.