Moradores da Calheta Pêro de Teive lamentam obras feitas ao longo dos anos

No dia em que começam as demolições parciais das galerias da Calheta Pêro de Teive, em Ponta Delgada, vários moradores lamentam as intervenções que foram sendo feitas ao longo dos anos naquela zona.


Autor: Inês Linhares Dias/Lusa

“Não vai tudo ao chão”, questionou Lubélia, de 84 anos, junto à obra inacabada das galerias comerciais da Calheta Pêro de Teive.

“Quem me dera que isso fosse tudo ao chão, que ficámos enterrados em cimento”, acrescentou.

Para quem já vive com a obra a marcar a paisagem há 13 anos, os quatro meses previstos para esta fase da empreitada são um mal menor.

“Demora, mas as coisas são assim mesmo. A gente já se habituou, mas fez muita falta. Já fez falta não ver o mar quando aterraram aquilo, mas pelo menos ficou aberto, agora assim. E, não deu nada do que se pensava”, lembrou Lubélia.

Ana Paula Medeiros, de 53 anos, nunca conheceu a cidade de outra forma. “Cheguei aqui à ilha há 12 anos e já estavam as galerias assim”, contou à agência Lusa.

Já António Rebelo e António Rodrigues, de 77 e 78 anos, respetivamente, guardam memórias de outros tempos.

Rebelo mora na zona há 18 anos e recorda-se de quando aquele espaço “era um estacionamento de carros”.

António Rodrigues reside ali perto “desde 71” e via “miúdos a mergulhar do muro para o mar. Quando a maré estava cheia, metiam umas escadas e mergulhavam.

“Isto era tudo água, aqui, onde está isto”, disse, ironizando que, de desde então, aquele espaço “tem melhorado muito, para pior”.

“Isto até era bonito, fazia aqui uma baía, estragaram tudo”, lamentou.

Para António Rebelo, a obra “foi um dinheiro muito mal empregado, muito mal empregado”.

“Desprezou isto muito”, reforçou.

Valdemira Sousa, que também mora ali na zona, disse ficar “contente por estarem a fazer qualquer coisa, pelo menos, para não ficar da maneira que estava”.

“Pelo menos vê-se o mar”, salientou.

Contudo, António Rodrigues e António Rebelo não estão tão otimistas.

“Não acredito”, disse perentoriamente Rodrigues, quando questionado sobre se acredita que a demolição vai devolver a vista do mar àquela zona.

António Rebelo, por sua vez, dá o benefício da dúvida: “Não sei, talvez. Pelo menos das casas veem, o que já não é mau”.

Numa coisa, todos os entrevistados esta manhã pela Lusa concordaram: que não é necessário mais um hotel naquela zona.

“Acho que o hotel já é demais, está aqui um. Da maneira que a vida está, acho que já temos hotéis demais”, defendeu Lubélia.

“O espaço verde acho que sim, virado para o mar, faz todo o sentido, agora, mais um espaço hoteleiro, com tantos espaços que já temos e fechados, ainda por cima, é um bocadinho arriscado”, considerou Valdemira Sousa.

Já António Rebelo brincou com a situação, referindo que se “diz que é para fazer um hotel, mas, os turistas, só se encomendarem a Santa Maria”.

Arrancou esta manhã, nas galerias da Calheta Pêro de Teive, uma obra de quatro meses em que será demolido "tudo o que está acima da cota zero, que é a laje por cima das garagens, exceto o edifício a poente”, que é do Governo e para onde está previsto um Posto de Turismo, esclareceu, na sexta-feira, o administrador da Asta Atlântida, José António Resendes.

“Depois da demolição, fica sossegadinho ali. Fica tudo limpo, vedado como está agora, a aguardar o início da obra" de construção do hotel, disse então o promotor do investimento, sem adiantar quando será esse início.

Em 16 de dezembro, a Câmara Municipal de Ponta Delgada ordenou que a demolição parcial das Galerias da Calheta Pêro de Teive se iniciasse no prazo de um mês.

Passada uma semana, em 22 de dezembro, a autarquia informou que a empresa ia assumir a responsabilidade pela demolição da obra.

O processo arrasta-se desde 2008, altura em que foi anunciado um novo espaço comercial na marginal de Ponta Delgada, a cargo da ASTA Atlântida, agora detida pelo fundo Discovery, mas que nunca foi terminado.

Em 2016, o mesmo fundo apresentou uma "mudança radical" para as inacabadas galerias comerciais da Calheta Pêro de Teive, que passava por demolições e redução de volumetrias, aproveitando o espaço para a criação de uma unidade hoteleira e de um jardim público, mas que também ainda não arrancou.

O processo de reformulação do projeto de arquitetura só foi iniciado em 2018.

Agora, treze anos depois do arranque do projeto, dá-se o primeiro passo para a solução de uma obra inacabada que ocupa um espaço nobre da cidade de Ponta Delgada.