Modelo de bipartidarismo de Portugal sofreu alterações profundas
11 de mar. de 2024, 17:06
— Lusa
De
acordo com Jorge Reis Novais, constitucionalista e professor da
Faculdade de Direito de Lisboa, “o sistema partidário alterou-se
profundamente com a chegada do Chega e com esta votação”.“Nos
próximos tempos, até às próximas crises, sem dúvida que a situação
mudou significativamente. Agora temos dois partidos e um médio grande,
coisa que nunca existiu, e tudo dependerá de quanto tempo o Chega irá
aguentar com esta força”, observou.Jorge
Reis Novais referiu o exemplo de Espanha com o surgimento de partidos
novos “com grande impacto inicial [Vox] e que depois podem desaparecer
como praticamente desapareceram”.“Com o
Chega depende muito se se conseguem manter fora do Governo ou não, isto
é, o risco que, a meu ver, o Chega corre é entrar num Governo e
comprometer-se com pastas governamentais. Por isso duvido até, apesar de
dizerem o contrário, que queiram e estivessem interessados agora,
porque a partir do momento em que estão no Governo, aí a probabilidade
de desiludir grande parte das pessoas descontentes que agora estão a
votar Chega, é enorme”, considerou.O
constitucionalista reiterou que enquanto o Chega - que quadruplicou o
número de deputados eleitos face às últimas eleições legislativas – se
aguentar “o sistema partidário [até agora conhecido] mudou
completamente”.Para Jorge Reis Novais, na
situação atual, “não há dificuldade nenhuma" em constituir-se um Governo
da AD, lembrando que não terá dificuldades em passar o programa na
Assembleia da República, tendo em conta que o PS disse "não votar a
favor de nenhuma moção de rejeição, nem apresenta, nem votará a favor”.“Porventura,
o Presidente da República vai querer dramatizar agora um pouco. Está a
refletir, mas as coisas agora são muito simples”, considerou. A dúvida, disse, será saber se o Orçamento de Estado (OE) será ou não aprovado pela maioria dos deputados, advertiu.Reis
Novais alertou que a coligação deverá apresentar um Orçamento de Estado
Retificativo, tendo em conta que votou contra o atual.“O
grande problema será fazer passar esse Orçamento Retificativo sem a
negociação com o Chega, que lhe garantisse a passagem desse orçamento e
será esse problema que vamos ter em novembro ou dezembro, tudo dependerá
da forma como o PSD conseguir algum compromisso”, salientou.Apesar
de lembrar que Luís Montenegro afirmou rejeitar qualquer pressão, Reis
Novais considera a “possibilidade de uma crise grande, maior, muito
maior ainda, na aprovação do segundo orçamento, já que no primeiro o
governo ainda está em estado de graça”, não descartando, no entanto, já
uma primeira crise.Contactado pela Lusa, o
constitucionalista Vital Moreira remeteu o seu comentário às eleições
de domingo para o que publicou no ‘blog’ Causa Nossa, onde partilha da
opinião de Jorge Reis Novais, ao considerar que o “sucesso do Chega
significa uma verdadeira alteração estrutural do sistema partidário em
Portugal”.“Não é a primeira vez que um
terceiro partido se aproxima dos 20%, pois tal já se tinha verificado em
1979, com o PCP, e em 1985, com o PRD. Todavia, desta vez, ao contrário
das anteriores, o Chega integra-se num movimento transnacional da
direita radical populista, que parece não ter nada de conjuntural”,
observou Vital Moreira.O
constitucionalista lembrou também que as coligações eleitorais “se
extinguem com o apuramento dos resultados eleitorais” e que os mandatos
parlamentares “são atribuídos aos partidos e não às coligações”.“Mesmo
que os deputados do PSD e do CDS se viessem juntar num único grupo
parlamentar (o que nunca aconteceu, quem é convidado a formar os
governos são os partidos (…) pelo que, se o PS viesse a ser o maior
partido parlamentar, deveria ser ele a ser chamado a formar Governo em
primeiro lugar”, escreveu.Vital Moreira
considerou, igualmente que, mesmo que o Chega não entre no Governo “vai
obviamente condicionar politicamente o frágil Governo do PSD que sai das
eleições”, lembrando que “não poderia ser mais modesta” a vitoria da
AD, que ficou “bem longe e uma maioria parlamentar” e que não superou em
muito a percentagem do PSD sozinho há dois anos.“É a segunda marca mais baixa de um vencedor das eleições desde 1985, PSD com Cavaco Silva”, explicou.Vital
Moreira tece ainda um comentário a outro “vencedor das eleições ainda
que não fosse candidato”, referindo-se ao Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, que “com a intempestiva interrupção da
legislatura, conseguiu fazer afastar o PS do Governo e colocar o seu
partido no poder, oito anos depois”.“Embora
um tanto amarga – vitória eleitoral ‘à tangente’, vitória política do
Chega, problemáticas condições de governo –, não deixa de ser um
triunfo”, considerou.No domingo, a Aliança
Democrática (AD), liderada por Luís Montenegro, venceu as eleições
legislativas, com 29,49% dos votos e 79 deputados, à frente de PS, de
Pedro Nuno Santos, segundo mais votado, com 28,66% e 77 eleitos, e
Chega, de André Ventura, com 18,06% e 48 mandatos, de acordo com os
resultados provisórios, faltando ainda atribuir os quatro mandatos pela
emigração.