4 de dez. de 2018, 10:23
— Cátia Carvalho/AO online
A
proprietária de uma antiga loja de artesanato no centro da cidade de
Angra do Heroísmo lançou-lhe o desafio: não queres aprender a
tecer? Eduarda, na altura com 17 anos, aceitou. E nunca mais parou.
“O tear encanta, o seu som enche a alma e eu fiquei fã desde o
primeiro dia”, confidencia. Embora a tecelagem represente uma das
primeiras indústrias tradicionais dos Açores, a arte do tear -
tanto em lã como em linho ou algodão – não tem ganho seguidores.
“Aparecem pessoas interessadas em conhecer as técnicas base, mas
num registo amador. O problema é que as tecedeiras mais antigas, as
que me ensinaram a mim, estão a desaparecer e não há forma de
cativar os mais jovens porque é um ofício bastante físico e
moroso. Vejo-o pelo meu filho de 16 anos”.
A
continuidade de uma das maiores manifestações de arte popular dos
Açores está em risco não só pela falta de mãos, mas também pela
falta de meios. “Antes da internet era muito complicado conseguir
as matérias-primas que se utilizam na tecelagem. A maioria dos
materiais e teares com que trabalho tiveram de ser importados. São
peças cada vez mais raras”.
Eduarda
nunca conseguiu fazer do hobby profissão, mas isso não a deteve de
procurar novas formas de trabalhar. “Nunca tive volume de produção
que justificasse um espaço aberto. Trabalho por encomenda. Vendo
essencialmente para o mercado da saudade, mas não só. A tecelagem
pode ter aplicações muito diferentes das tradicionais, não são só
colchas de retalhos e trajes de folclore”.
O
ano passado, durante a formação “Inovar as Artes & Ofícios
dos Açores” promovida pelo CRAA em parceria com a Associação de
Desenvolvimento Regional Grater, a artesã terceirense conheceu
Marita Setas Ferro, directora criativa e fundadora da marca
portuguesa Marita Moreno. A química foi imediata. “A marca que
criei pretende valorizar o trabalho dos artesãos certificados. As
colecções são compostas maioritariamente por têxteis artesanais
de diversas partes de Portugal”, explica a designer. “Quando
estive na ilha Terceira, estava a desenhar a coleção SS18 e a
Eduarda mostrou-me alguns dos têxteis que produzia. Os padrões, as
cores, as texturas fizeram clique! Quando regressei ao meu atelier
finalizei a linha AZORES e encomendei 4 têxteis diferentes”.
Eduarda,
que prefere distanciar-se das feiras e certames do sector, estava
longe de imaginar que veria, um dia, o seu trabalho exposto nas
montras do mundo. “Não gosto de participar nesses eventos porque o
público ainda não respeita devidamente o trabalho do artesão. No
inicio, quando participava, ouvia com frequência ‘isso é muito
caro’ ou ‘também consigo fazer igual em casa’. Prefiro vender
através da minha página no facebook ou do blogue que criei com a
ajuda do meu filho. Pedem-me produtos tanto para cá como para fora.
Tenho peças um pouco por todo o lado, no Brasil, nos Estados Unidos,
na Europa e até no Dubai, mas nunca imaginei fazer parte da colecção
de uma marca nacional. É um sonho tornado realidade, algo que ainda
me custa a acreditar».
A
linha Azores, inspirada nos motivos tradicionais das colchas das
ilhas e finalizada com os têxteis que Eduarda produziu durante 5
meses num tear artístico de mesa, é composta por 4 variações de
um modelo de “sapato de biqueira longa, com calcanhar baixo,
bastante feminino e delicado” descreve Marita. “As peças –
limitadas a 50 pares por modelo – privilegiam os recursos endógenos
nacionais e as pequenas fábricas familiares. Estamos a trabalhar
para nos tornarmos numa marca 100% sustentável”, esclarece.
Para
a artesã da Terceira, a sustentabilidade do artesanato ilhéu não
passa pelo turismo. “Quem nos procura, procura-nos sobretudo pelas
experiências, não vem direcionado para a lembrança ou para o
souvenir, mas não é por causa disso que vamos deixar morrer a
tradição. Há 3 anos que sou formadora voluntária na Academia
Oeste de Santa Bárbara. Trabalho com seniores, todos acima dos 55
anos. Quando vejo que as minhas primeiras alunas já se sentem à
vontade para ensinar e ajudar as que se juntaram a nós mais tarde,
sei que o meu trabalho ficou feito porque a informação e o
conhecimento sobre este ofício não irão morrer ali».
Marita
Moreno depois de ter sido distinguida em Março deste ano com o
prémio FOMA – Symbol of Harmony Award, um galardão que premeia a
harmonia, qualidade, conforto e preocupação ambiental, foi
convidada pela organização da Eco Fashion Week a participar na
Semana da Moda Sustentável realizada na Austrália durante o mês de
Novembro. Antes de terminar o ano, Eduarda Vieira, a convite de
Marita, levará o repasso açoriano até à prestigiada Carrousel des
Métiers d’Art et de Creátion, uma feira dedicada à arte e às
criações artesanais que se realiza em Paris entre 6 e 9 de Dezembro
e que recebe mais de 30 mil visitantes em cada edição.