Mentor da primeira aldeia lar para idosos em Portugal defende replicação do modelo no país
22 de dez. de 2020, 08:47
— Lusa/AO Online
“Este é
um modelo onde as pessoas têm a sua casinha, liberdade, autonomia e
toda a assistência de que necessitam. Têm qualidade de vida. Por isso,
só encontro no excesso de burocracia a razão para a inexistência de
outras estruturas semelhantes em Portugal”, disse à reportagem da
agência Lusa o padre jesuíta Domingos Costa, que iniciou o projeto na
década de 80 do século passado.Concluída
em 1990, a aldeia social com 115 residentes foi edificada de raiz na
freguesia da Mexilhoeira Grande, nos arredores de Portimão, numa área
com mais de dois hectares [equivalente a dois campos de futebol] sendo
composta por 52 apartamentos de tipologia T1, T2 e T3.As
moradias geminadas estão inseridas em dois blocos circulares, num
complexo criado para “dar uma alternativa digna aos mais velhos” com
serviços de apoio, entre os quais lavandaria, refeitório, salas de
convívio, serviços médicos e de enfermagem e espaços ajardinados.A
construção da aldeia de São José de Alcalar foi financiada com doações
das sociedades portuguesa e alemã, este último país onde o pároco da
Mexilhoeira Grande estudou quatro anos e prestou serviços religiosos
durante mais de 40 anos.Domingos Costa
disse à Lusa que “o sonho e a razão” que o levou a construir uma aldeia
para idosos, foi para apoiar os mais pobres e de ver “famílias de
pessoas em idade avançada com filhos deficientes e de viverem
angustiados com medo de morrerem e de os deixarem abandonados”.“Temos casos de pessoas deficientes que vieram para aqui com os pais e que ficaram depois da morte do pai e da mãe”, indicou.Para
o padre jesuíta, o que distingue este modelo para acolhimento de
idosos, é o facto de ser uma aldeia com casas, jardins, passeios,
liberdade, sem limitações de horários para os residentes receberem
visitas, sem portões, onde cada um está na sua casinha, “ao contrário
dos lares onde está tudo estabelecido e tudo regulado”.Segundo
Domingos Costa, a vida na aldeia é diferente da de um lar, porque os
utentes têm toda a liberdade de movimentos: “Quem tem autonomia, pode
fazer uma vida normal. Pode cozinhar e comer em casa ou ir buscar a
comida e utilizar o refeitório. Para quem está acamado, as refeições são
levadas a casa”.“Não fica ninguém ao
abandono apesar de cada um ter a sua casinha, a sua chave”, frisou o
pároco, acrescentando que “votadas ao abandono estavam elas [pessoas] em
casa se não tivessem vindo para aqui”.De
acordo com o padre jesuíta, a prioridade na admissão à aldeia não é pela
ordem de inscrição, mas sim pela necessidade e pela sua condição
social, “sendo a prioridade dada a quem esteja mais abandonada, sem
família ou que, por exemplo, sofreu um AVC [acidente vascular
cerebral]”.“Das mais de cem pessoas que
estão em lista de espera, só da freguesia da Mexilhoeira Grande, algumas
aguardam há cerca de dez anos, porque as outras passam à frente de
todas elas, uma situação que não é bem vista pelos serviços da Segurança
Social”, apontou.Domingos Costa critica o
Estado, considerando que o sistema da Segurança Social “está todo
formatado, porque segundo eles, os critérios de admissão teriam de ser
por ordem”.“Está tudo formatado, mas nós
atendemos ao bem das pessoas, porque as normas e as leis são feitas para
as pessoas e não as pessoas para as leis”, apontou.Para
Domingos Costa, as exigências “algumas sem sentido” das entidades do
Estado, nomeadamente da Segurança Social que têm sido feitas na aldeia,
“leva a pensar que existe uma perseguição organizada às instituições de
solidariedade social”.Uma das críticas que
o padre aponta à Segurança Social “é a exigência e insistência
constante para que sejam colocados portões e uma vedação na aldeia”,
medida a que o pároco se opõe, “pois, se tal fosse feito, deixaria de
ser uma aldeia e passaria a ser uma cadeia”.
“Nós somos controlados, controlados, controlados. Se calhar é por isso
que esta é a única aldeia que existe desde há 30 anos nestes moldes,
apesar de por aqui terem passado muitas pessoas com intenção de replicar
o modelo noutras zonas do país”, sustentou.Domingos
Costa acredita que o projeto “só se mantém em funcionamento” nos moldes
iniciais por ser da igreja: “Caso contrário teríamos de estar sujeitos
às normas que vêm todas do Estado e que, até se calhar, não autorizaria a
construção de uma aldeia para pessoas idosas”.“O
Estado tem de amparar estas instituições. A burocracia mata tudo isto e
veja-se o que está a acontecer com a política, com o absentismo, porque
as pessoas desacreditam cada vez mais no sistema. Temos de ouvir a
sociedade civil e as pessoas têm de deixar de ter medo de falar porque
vivemos num país livre, ou isto é só um eufemismo de que temos
liberdade? Onde é que está a democracia, a liberdade?”, questionou.“Isto
vai piorando e depois queixam-se de que há partidos populistas, pois
tem de haver porque são aqueles que auscultam as pessoas descontentes”,
argumentou.Na opinião do padre jesuíta, a
terceira idade “continua a ser a classe mais marginalizada que há em
Portugal” justificando a sua afirmação “com a morte de tantos idosos nos
lares” durante a pandemia da covid-19.Domingos
Costa assegura que a alegria que tem hoje é a mesma com que iniciou o
projeto, apesar do esforço financeiro que é preciso fazer para manter a
aldeia de São José de Alcalar, o que tem sido feito com a ajuda da
sociedade civil, tanto de portugueses como de estrangeiros.“Não
há um apoio e uma alegria das entidades do Estado em servir os outros e
se fosse hoje não me metia nisto. Conheço muita gente que se meteu
nisto e hoje está arrependida, ou seja, o Estado tende a matar as
intervenções e iniciativas da sociedade civil. Só que a sociedade civil é
anterior ao Estado, como a família é anterior ao Estado”, concluiu.