Marfim de mamute substitui o de elefante africano nos mercados chineses
1 de set. de 2018, 19:02
— Lusa/Ao online
"Ninguém se atreve a vender marfim de elefante", explica um dos vendedores em Hualin, um dos maiores mercados da capital da província de Guangdong, a 150 quilómetros de Macau, sul da China. "A polícia tem mantido vigilância apertada", assegura.Centenas de estabelecimentos exibem aqui ornamentos de jade, pérolas e esculturas em madeira, mas o marfim de elefante deu lugar ao de mamute, desde que a China baniu todo o comércio e transformação das pressas de elefante, no início do ano.A interdição surge numa altura de crescente presença chinesa em África, que impulsionou também o comércio ilegal de marfim.O país asiático organiza entre 03 e 04 de setembro, em Pequim, o Fórum de Cooperação China/África, que reúne dezenas de chefes de Estado e do Governo dos países africanos, e deverá anunciar milhares de milhões de dólares em investimento chinês no continente.A China é o maior consumidor mundial de marfim, símbolo de estatuto e parte importante da cultura e arte tradicionais chinesas.O preço do marfim de mamute em Hualin varia entre 3,5 e 30 yuan (44 cêntimos e 3,7 euros) por grama, dependendo da qualidade artesanal do objeto. Uma presa esculpida marca 7.300.000 yuan (quase um milhão de euros).Já o negócio de marfim de elefante, essencialmente o africano, "tornou-se demasiado arriscado" e "vários estabelecimentos encerraram", relata outra vendedora, enquanto entrega um folheto, onde se lê: "O marfim de mamute já conquistou o reconhecimento dos artesões; todos consideram que pode substituir o do elefante africano".Antes da entrada em vigor da nova lei, Pequim lançou várias campanhas de sensibilização e o preço de presas de elefante caiu 65%, enquanto todas as lojas e oficinas envolvidas no comércio foram encerradas até ao final de 2017, segundo a agência noticiosa oficial Xinhua.Em Hualin, as peças de marfim de mamute têm agora de ser certificadas pelo Centro de Testes e Supervisão dos Recursos Minerais, instalado no último andar do edifício, e sob tutela do ministério chinês dos Recursos Naturais."O tipo de marfim distingue-se pelas linhas de Schreger", explica à agência Lusa Wang Feng, responsável pelos testes, referindo-se aos diferentes ângulos, nas interseções entre os anéis de crescimento, nas presas de elefante e de mamute.Porém, a efetividade da "vigilância" das autoridades chinesas estará ameaçada pelo comércio nos países vizinhos."A ausência de regulamentação efetiva no Japão permite que produtos derivados do marfim sejam sistematicamente adquiridos por visitantes e intermediários chineses", indica um relatório da Traffic, ONG para a conservação da vida selvagem.Intitulado "Ivory Towers: An Assessment of Japan's Ivory Trade and Domestic Market", o relatório baseia-se em entrevistas com vendedores de marfim nas cidades japonesas de Tóquio, Osaca e Quioto.Vários afirmaram que os chineses são os principais clientes e que muitos são intermediários, à procura de produtos de marfim para outros clientes na China.Os vendedores garantem que o marfim pode ser facilmente contrabandeado para a China continental através de Hong Kong ou do porto de Xangai.Um trabalho de investigação da revista chinesa Sixth Tone descreve ainda como o marfim é contrabandeado para a China a partir do Laos. Os dois países partilham uma fronteira com mais de 400 quilómetros.Segundo a publicação, "a maioria dos vendedores não hesita em exibir produtos de marfim" e os "comerciantes deslocam-se pelo país sem problemas".Apesar de ter banido o comércio de marfim, em 2004, o Laos é frequentemente criticado pela fraca aplicação da lei."Para os proprietários de lojas em Luang Prabang [norte do Laos], a maioria chineses, a proibição do comércio de marfim no seu país fez maravilhas pelo negócio", escreve a Sixth Tone, que após examinar alguns dos objetos confirmou a sua origem africana.Também neste caso os vendedores citados afirmam que enviar a mercadoria através da fronteira não é um problema.A atuação das autoridades chinesas pode ter impacto significativo em Angola e Moçambique, que nos últimos anos se tornaram destinos de referência na caça ao elefante.Em Moçambique, entre 2011 e 2015, a caça furtiva custou à reserva do Niassa sete mil elefantes. Em Angola, as autoridades queimaram cerca de 1,5 toneladas de marfim, bruto e trabalhado, em julho de 2017, que tinham como destino a Ásia.Existem atualmente cerca de 450.000 elefantes no continente africano, calculando-se em mais de 35.000 os que são mortos anualmente.