Luís Vasco Cunha acredita que o sucesso passa por “manter as portas abertas, muito em particular as da mente”
#empresário
15 de out. de 2024, 11:47
— Made in Açores
Como surge o mundo empresarial na sua
vida?
A semente surge naturalmente, por via
de avós que exploravam "mercearias e líquidos". Desde
criança que a atividade nestas lojas sempre me fascinou, com um avô
a permitir e até a incentivar todo o tipo de inovações, mesmo as
mais absurdas. Na adolescência, vendi alhos e feijão cultivados
pelo avô Tomás, exercício deveras rentável, pois no fim ficava
com a totalidade do valor da venda. No auge da crise "pós sismo
de 1980", um trabalho de férias escolares de Verão, num
estabelecimento de venda de artigos de oferta, abre o caminho para um
futuro que se estende até hoje.
De que forma é que o contexto familiar
moldou o seu perfil e o seu caminho profissional?
Da forma mais profunda que pode
existir. Desde a primeira hora, no Verão de 1982, que o percurso foi
sempre acompanhado pela família, até porque foi o meu pai quem,
contrariando a minha vontade de experimentar o trabalho de ser
servente de pedreiro, sugeriu que fosse trabalhar para a Casa
Vitória. Nas noites e nos fins-de-semana em que a loja ficava a meu
cargo, tinham sempre a companhia do meu pai ou dos meus irmãos,
apesar dos seus 11 e 9 anos de idade. Foram meses de trabalhar sete
dias por semana, das 9 às 22h.
Três irmãos que herdam um património
familiar considerável. Depois da partida do patriarca, como se
consegue continuar esse legado de forma ativa, tendo os três perfis
tão distintos?
De uma forma natural, até porque
quando se fala em herança pensa-se sempre que existiu morte de
alguém. Em primeiro lugar, o nosso pai continuará connosco
diariamente e, em segundo lugar porque, objetivamente, a liderança
do pai sempre se fez na sombra, isto é, passando toda a
responsabilidade para nós. Os perfis distintos são o garante do
equilíbrio, pois em todas as viaturas coexistem o pedal do travão
com o do acelerador. Temos sabido manter esse equilíbrio, porque se
tivéssemos preponderância no travão já teríamos sido largamente
ultrapassados e adormecido no conforto da tranquilidade. Por outro
lado, se o pé estivesse unicamente no acelerador, já nos teríamos
despenhado durante uma das muitas tempestades a que sobrevivemos.
A José Tomás da Cunha e Filhos é a
"mãe" de várias empresas de diversos ramos. Quais são
essas áreas distintas?
Ao longo de quase 42 anos, já demos
inúmeros passos em frente, muitos para o lado e alguns para trás,
criando estruturas, alterando-as e encerrando-as. Hoje, somos o
somatório dessas vivências.
A SUSIARTE mantém a sua matriz
original, comercializando móveis e artigos decorativos, com uma área
de exposição moderna e atrativa. Há vários anos que temos um
Gabinete de Arquitetura, liderado pela Susana Cunha, com uma
atividade intensa em obras domésticas e na área da hotelaria, onde
temos importantes trabalhos concluídos e vários em fase de
implementação.
Na atividade da SUSIARTE, inclui-se a
exploração da galeria comercial Fórum Terceira, nascida de uma
necessidade de congregar num mesmo espaço uma oferta variada que
pudesse ser o centro da Terceira, um lugar onde as pessoas se
pudessem encontrar.
A Bfashion procurou preencher uma
lacuna na oferta de moda, numa gama média-alta, masculina e
feminina, posteriormente alargada à moda desportiva.
Em São Miguel, a SUSIARTE começou
pela distribuição de eletrodomésticos e eletrónica de consumo,
atividade que continua. Em 2014, abriu a loja EXPERT, nos Valados,
dedicada à venda a público de toda a gama de eletrodomésticos, ar
condicionado e eletrónica. A distribuição de eletrodomésticos nos
Açores é coordenada a partir de São Miguel.
Na Terceira, as lojas EXPERT, em Angra
do Heroísmo e na Praia da Vitória, são complementadas com um vasto
serviço de assistência técnica a eletrodomésticos, ar
condicionado e informática.
A José Tomás da Cunha & Filhos,
Lda, com designação comercial SUSIARTE, é a empresa detentora da
maioria das ações da CODELPOR,SA, com sede em Benavente, que se
dedica à comercialização de eletrodomésticos, eletrónica de
consumo e telecomunicações, funcionando também como hub logístico.
Na Madeira, somos acionistas da empresa
HN-Trónica,Lda., responsável pela distribuição dos nossos
produtos neste arquipélago.
Com lojas na Terceira e Ponta Delgada,
a WineExpert,Lda, dedica-se à distribuição e venda a público de
vinhos, com especial foco em provas de vinhos que promovam e elucidem
as dúvidas acerca do consumo de vinho.
Estreou-se recentemente no ramo do
enoturismo. Esta é uma caminhada empresarial diferente?
Este é o primeiro negócio que
acontece fora da JTC, pois trata-se de uma atividade exercida
unicamente por mim e pela Madalena, minha mulher, embora conte com os
apoios incensáveis dos meus irmãos. Este caminho é a combinação
da cultura de uma vinha originalmente pertença da família da
Madalena, à qual já juntámos outras, com o gosto pelo vinho, pela
sua cultura e pelos Biscoitos em particular.
O projeto Materramenta tem por objetivo
colocar em prática o amor aos Biscoitos e o gosto pelo vinho,
procurando imprimir uma dinâmica sustentável
Como caracteriza o seu perfil de
empresário?
Procuro ser exigente comigo e com os
outros de forma a podermos superar os obstáculos e a criar
oportunidades que nos permitam crescer. Hoje, tenho a certeza que a
única forma de liderarmos de forma saudável é pelo caminho da
partilha de responsabilidades com os membros das nossas equipas.
Tenho a forte convicção de que uma
empresa é uma família de coração e que, como tal, há que ser
gerida privilegiando os laços familiares. Somos um Grupo
verdadeiramente inclusivo em termos de paridade de género, de
religião ou de orientação sexual e isso é algo que nos orgulha e
que é fruto do trabalho de todos nós, ao longo dos anos.
Tento ser justo e fazer crescer as
pessoas dentro da nossa organização, em vez de ir procurar fora
quem ocupe os lugares de topo.
Para os que acham que “meias é para
as pernas”, recordo que “se queremos ir depressa vamos sozinhos,
mas se queremos ir longe vamos acompanhados”.Que características considera serem
essenciais para ser empresário nos Açores nos dias de hoje?
A característica principal é ter a
mente aberta e não pensar pequenino. As dificuldades arquipelágicas
podem ser ultrapassadas e todas as moedas têm duas faces, precisam é
ser ambas contempladas. O primeiro objetivo da maioria dos
empresários é criar o seu próprio posto de trabalho e isso só
pode ser conseguido com sucesso se tiverem muita perseverança e
vontade de trabalhar. Confundem-se muito os conceitos de empresário
e de empreendedor, entendo que todos, em todas as funções, podem
ser empreendedores, mas nem todos têm perfil para serem empresários.
Sem acreditar em si próprio, ninguém pode ser empresário.
O dístico Marca Açores traz vantagens
para a divulgação e promoção dos produtos, nomeadamente o vinho
Materramenta?
Em termos da Marca Açores, falta fazer
quase tudo. Há algum tempo foi apresentado publicamente um projeto
de reestruturação da Marca Açores, mas, até ao momento, nada se
viu. Para que a Marca Açores seja uma mais-valia tem de haver muito
mais exigência nos critérios e muita fiscalização, coisas que o
poder político por norma não gosta de fazer, pois é mais fácil
deixar rolar.
Estamos num tempo em que o turismo
parece ser a resposta para todas as dificuldades económicas da
região, o que falta fazer no apoio às empresas?
Falta o Governo e as autarquias
perceberem que o que é dos privados deve ser deixado aos privados,
sem constantes interferências públicas. Falta perceber que a
atribuição de subsídios indiscriminadamente, muitas vezes atrofia
o mercado. Os interesses politiqueiros não se podem sobrepor à
livre economia. Falta haver uma verdadeira política de transportes
marítimos, dentro e fora da Região, que vá além de grupos de
estudo que, uma vez mais, fazem a montanha parir um rato, nado-morto.
Falta as empresas serem vistas como parceiros e não como inimigos.
Falta incentivar as boas práticas empresariais. Sobretudo, e o mais
importante, faltam previsibilidade e estratégias. Não podemos
continuar a ser geridos ao sabor de tempos eleitorais.
O que lhe falta concretizar enquanto
empresário?
Com a idade que tenho, o mais
importante é procurar ajudar a consolidar as nossas equipas para que
se sintam realizados e felizes. Os desafios surgem diariamente e há
que os ultrapassar, da melhor maneira possível. Até ao meu último
dia de trabalho, haverá sempre muitas coisas por fazer, mas o que é
verdadeiramente importante é poder desfrutar do trabalho diário. O
objetivo é sempre manter as portas abertas, muito em particular as
da mente.