Lojas e cafés de Angra do Heroísmo enchem-se de espetáculos que celebram Abril
19 de jul. de 2024, 12:08
— Carina Barcelos,/Lusa/AO Online
A iniciativa é
da companhia de teatro profissional Cães do Mar, com sede na ilha
Terceira, que realiza pelo quarto ano consecutivo o festival Rua
Direita, a decorrer até este sábado.Este
ano, são nove espaços, entre lojas, cafés, livrarias e restaurantes, que
acolhem três instalações e seis performances, que se repetem em 94
atuações, de 10 a 15 minutos, durante seis dias.Na
Rua Direita, uma das mais movimentadas da cidade, são muitas as pessoas
que entram e saem de lojas, em passo apressado. Em ritmo mais lento,
seguem outros tantos turistas, de mochila às costas e telemóvel na mão.A minutos do arranque das atuações, Ana Brum, diretora artística da Cães do Mar, vai distribuindo panfletos por quem passa.Talvez por ser hora de almoço, poucos param, mas ao quarto dia do evento o balanço é positivo.“Está
a correr francamente bem. Temos tido bastante afluência de público,
daquele que costumamos ver nos nossos espetáculos, mas também aquele que
nunca vimos e que vem à descoberta", adianta, em declarações à Lusa.Esta edição tem como tema “Filhos da Madrugada” e todos os espetáculos estão de alguma forma ligados ao 25 de Abril.Na
entrada do Palácio do Conde de Vila Flor, entre um restaurante e uma
farmácia, Diana Rosa dança ao som do violino de Derek Nisbet, no
espetáculo “Ordem para Desobedecer”.Desce
uma escada coberta de livros, que vai guardando numa pequena mala, à
medida que se vai soltando das amarras do véu que enverga.“Tem
a ver com a educação no feminino e aquilo que era negado por
constrangimentos sociais às mulheres. Houve muitas mulheres, umas por
serem demasiado pobres, outras por serem demasiado ricas, a quem foi
negada a ideia do estudo”, explica Ana Brum.Natural
de Angra do Heroísmo, Rosa Lima já é cliente habitual da “Rua Direita”.
Assiste praticamente sozinha ao espetáculo, mas sublinha a importância
da mensagem transmitida sobre o 25 de Abril.“É
uma forma de chegar junto do público que normalmente não vai a
espetáculos. É uma forma diferente de apresentação e os espetáculos são
muito bons”, salienta.As performances
ocorrem todas ao mesmo tempo e repetem-se seis vezes ao longo do dia.
Quem perdeu a das 11h30, pode esperar pela das 13h00 ou pela das 14h30.Na
mesma rua, uns metros mais abaixo, Bianca Mendes apresenta “Casa
Alheia”, na loja Basílio Simões, uma das mais antigas da cidade.Entre
chocolates, frutos secos e especiarias, vendidos a granel, Bianca conta
a história de Jaquinda e Manuel, que emigraram para Angola e
regressaram sem nada ao país, depois da revolução. Jaquinda é
representada por um pincel de caiar e Manuel por uma barra de sabão.O espetáculo é “um murro no estômago” e há quem se emocione e procure a atriz mais tarde para partilhar a sua história.“Todas
as personagens, apesar de serem objetos, são pessoas reais, histórias
reais e frases reais. Quando eu penso nisso e quando encontro o olhar do
público que também passou por isso, é muito difícil porque há ali uma
identificação muito grande e é muito difícil segurar a emoção”, conta.Bianca
atua pelo segundo ano na loja, que faz também parte do espetáculo. “Eu
já atendo as pessoas no intervalo. Se eles estão ocupados, eu mesma já
vendo coisas”, brinca.A peça está mesmo a
acabar quando Margarida entra para comprar uns gramas de coco e de
bicarbonato de sódio. Não fica para assistir, mas gosta do que vê.Do
outro lado do balcão, José Luís, que vai assistindo enquanto vende,
conta que há “uma ou outra pessoa estranha, mas corre tudo bem”.Alguns
turistas param quando ouvem a voz de Bianca e veem um grupo de pessoas à
porta: espreitam, tiram fotos e seguem o seu caminho. De
férias na ilha onde nasceu, Sara de Melo Rocha chega à hora certa para
assistir ao espetáculo e quando acaba segue para a próxima paragem. “O
Basílio Simões só por si é um palco maravilhoso. A atriz conseguiu usar
muitos objetos da própria loja, que também fazem um bocadinho parte do
imaginário português, para falar de uma coisa importante em Portugal,
que é a guerra nas colónias e a saída de muitas pessoas de Angola, de
regresso a Portugal. Ela tocou em muitos pontos sensíveis e acho que
está muito bem conseguido”, defende.As
horas passam e há novo espetáculo. Na esplanada do restaurante Aliança, o
músico e compositor madeirense Márcio Faria e a atriz terceirense Lara
Costa protagonizam “Uma Ópera Proibida”, em que um pai vê comunismo
no livro “O Pónei Vermelho”, na música de Elvis Presley ou num simples
biquíni.Dirk Berger, professor alemão a
participar num programa de Erasmus, não compreende uma palavra de
português, mas percebeu de que falava o espetáculo.“Foi muito interessante. Consegui seguir o que estava a acontecer, mesmo sem perceber as palavras”, revela.Foi acompanhado por Graça Coelho, professora e atriz, que já não perde o “Rua Direita”.“Gosto
muito do trabalho que os Cães do Mar fazem. Acho que fazem muito em
prol da comunidade local, em agarrar estes jovens e integrá-los com
profissionais da área e é sem dúvida uma mais valia para a cidade”,
vinca.Na plateia está também o grupo de
teatro Iuventute Virtutis, da ilha de São Jorge, que encerra o festival
no sábado, com o espetáculo Livrei.Para
Andreia Melo, encenadora do espetáculo, o festival é uma oportunidade
para abrir horizontes aos jovens que fazem parte do grupo, que têm entre
12 e 19 anos.“Eles chegaram e disseram:
'É aqui o teatro? É uma ópera? Como assim?' Estavam questionar-se. Era
um espaço não convencional, um tema não convencional, muito fora do que é
comum nas ilhas mais pequenas”, conta.“É
muito importante no sentido de abrir mentalidades. Eles podem até nem
continuar neste caminho, mas é importante para eles perceber que há
outras coisas a acontecer diferentes do que eles acham normal”,
concluiu.