Líder da agência da ONU para Refugiados diz que cortes nas ajudas são irresponsabilidade
15 de dez. de 2025, 16:24
— Lusa/AO Online
“O
ano passado foi marcado por uma sucessão de crises: uma verdadeira
tempestade”, afirmou Filippo Grandi, na abertura de uma reunião de
acompanhamento do Fórum Global sobre Refugiados, que decorre entre hoje e
quarta-feira em Genebra, na Suíça.Grandi
citou as “inúmeras atrocidades cometidas no Sudão, na Ucrânia, em Gaza e
em Myanmar [antiga Birmânia]”, mas também condenou “o colapso súbito,
drástico, irresponsável e míope da ajuda internacional”.Só
nos últimos dias, “vimos mais um jardim-de-infância, mais um prédio de
apartamentos e mais um hospital bombardeados, matando dezenas de pessoas
e desalojando milhares, somando-se aos milhões já forçados a fugir da
violência sem sentido em busca de segurança”, referiu.
O mundo vive num contexto “em que se permite que o ódio espalhe cada
vez mais divisões racistas, como tristemente comprova o terrível
massacre de ontem [domingo] contra a comunidade judaica em Sydney”,
acrescentou o representante.O
financiamento do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) foi
reduzido em 35% desde o início do ano e muitas outras organizações
internacionais enfrentam reduções significativas na ajuda internacional,
particularmente desde o regresso do atual Presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, à Casa Branca, em janeiro passado.A situação “está a devastar o setor humanitário, infligindo muito sofrimento desnecessário”, sublinhou o alto-comissário.Os
Estados Unidos (EUA) reduziram, este ano, o financiamento às
organizações para ajuda humanitária ao cortar o investimento na Agência
dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID),
alegando fraude e mau uso de recursos.O secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, referiu que mais de 80% dos programas da USAID foram cancelados. De
acordo com um estudo da revista científica The Lancet publicado em
julho, a decisão dos EUA deverá resultar em mais de 14 milhões de mortes
prematuras até 2030.“O ano passado foi
marcado por uma sucessão de crises”, reforçou Grandi na mesma
intervenção, salientando ainda que 2025 foi mais um ano em que “os
refugiados foram frequentemente vilipendiados e usados como bodes
expiatórios em muitos lugares”.O
sofrimento dos refugiados “é cinicamente explorado pelos traficantes
para obter lucro, e a sua situação precária está a ser utilizada pelos
políticos para ganhar votos nas eleições”, denunciou ainda o
alto-comissário, cujo mandato termina no final deste ano depois de 10
anos a liderar esta agência da ONU.Lamentando
o ódio e racismo crescentes, Filippo Grandi admitiu esperar que os
doadores assumam compromissos durante a reunião em Genebra, lembrado que
o ACNUR enfrenta uma profunda crise, com o número de pessoas deslocadas
à força em todo o mundo, estimado em 117,3 milhões em meados de 2025, a
ter quase duplicado em 10 anos.O
alto-comissário da ONU lembrou que, “através dos Fóruns Globais sobre
Refugiados, das promessas, dos compromissos” conseguiu-se “uma diferença
real na vida dos refugiados e das comunidades que os acolhem”.Segundo
adiantou, desde o último fórum, em 2023, foram feitas quase 3.500
promessas individuais e 47 promessas multissetoriais, tendo sido já
desembolsados mais de 2,2 mil milhões de euros em promessas financeiras
cumpridas.“Estes esforços impulsionaram
avanços na educação, no emprego, na proteção dos refugiados, na ação
climática, na melhoria do acesso e qualidade dos serviços para os
refugiados e as suas comunidades de acolhimento”, elogiou.No
entanto, Filippo Grandi pediu que os sistemas nacionais reforcem a sua
capacidade de incluir os refugiados, de forma a não serem criados
sistemas paralelos.“Isto não só garantirá
respostas mais sustentáveis, como também mitigará o impacto de futuros
choques financeiros, reduzindo a dependência da ajuda externa”,
concluiu.A reunião que hoje se inicia
acontece pouco depois de o secretário-geral da ONU, António Guterres,
ter anunciado - na sexta-feira - a nomeação do antigo presidente
iraquiano Barham Saleh para dirigir o ACNUR a partir de 2026. A sua nomeação ainda tem de ser aprovada pela Assembleia-Geral da ONU.