Leitura de "Os Maias" implica análise dos preconceitos raciais, defendem professores de Português
7 de mar. de 2021, 10:40
— Lusa /AO Online
Em declarações à agência Lusa, a propósito da análise de uma investigadora que afirma ter identificado passagens racistas na obra deste autor de leitura obrigatória no ensino secundário português, o vice-presidente da AFP, Luís Filipe Redes, disse que não é precisa “uma análise muito profunda para compreender os preconceitos raciais presentes em 'Os Maias' e em outros textos de Eça”.“Apesar do seu realismo, o autor tem as limitações de um homem do século XIX. Para não termos visões preconcebidas relativamente aos outros, temos de interagir com eles, coisa que o Eça não terá tido oportunidade de fazer, não obstante a sua passagem por Cuba”, adiantou o professor de Português.O docente sublinhou que “a perspetiva racista era dominante nos estudos antropológicos desse tempo”.“Eça era contra o tráfico de escravos e isso também se lê em 'Os Maias'. A alternativa ao tráfico de escravos era o desenvolvimento de África que passava pela ocupação efetiva num movimento que se chamava 'colonialismo'. É o que vemos no trajeto da personagem Gonçalo, da 'Ilustre Casa de Ramires'”, comentou.Por isso, Luís Filipe Redes considera que a leitura desta obra “implica a análise dos preconceitos raciais do discurso narrativo e das personagens e inserir esse discurso no contexto histórico”.“O que não podemos fazer é projetar juízos de valor formados nas vivências do nosso tempo sobre as ações dos homens do passado”, sublinhou.Professora de Português na Universidade de Massachusetts Dartmouth, nos Estados Unidos, onde está a tirar o doutoramento em Estudos e Teoria Luso-Afro-Brasileiros, Vanusa Vera-Cruz Lima identificou em “Os Maias” várias passagens racistas.Apesar de considerar que as mesmas não retiram valor à obra literária, defende que justificam a inclusão de “um comentário pedagógico”, para que a questão racial não seja ignorada.“A inferioridade dos africanos e o desdenho pelo negro ou qualquer aspeto relacionado à raça negra é presente na linguagem do narrador e reforçada através de ações e pensamentos de personagens e da idealização da branquitude em crianças, homens e principalmente mulheres”, disse Vanusa Vera-Cruz Lima, em entrevista à agência Lusa.Para Vanusa Vera-Cruz Lima, o fim da leitura de “Os Maias” não é uma “solução” e nem esse o propósito da análise que fez à obra, mas sim a consciencialização das pessoas em relação aos “significados que até agora não têm sido observados, nem discutidos, nos materiais escolares que acompanham a leitura da obra”.A agência Lusa contactou Carlos Reis e Isabel Pires de Lima, especialistas em estudos queirosianos, que optaram por não comentar as conclusões da investigação de Vanusa Vera-Cruz Lima.