Jovens acolhidos sentem memórias dos afetos no Natal
Hoje 08:15
— Daniela Arruda
“Este é um tempo de grandes emoções, em que as memórias dos afetos vêm todas ao de cima”. É assim que Aldina Gamboa, vice-presidente do Centro Paroquial e Social da Fajã de Baixo, descreve a forma como o Natal é vivido no Lar Nossa Senhora dos Anjos, uma realidade marcada por sentimentos intenso, expectativas e contrastes.Atualmente, o Lar acolhe 27 crianças e jovens, com idades entre os dois e os 25 anos. Nesta quadra natalícia, cerca de 14 crianças e jovens passam o Natal totalmente fora do acolhimento, junto das famílias, enquanto outras vão apenas durante alguns dias ou na véspera de Natal e regressam a 25. Permanecem em acolhimento cerca de 12 a 13 crianças e jovens, para quem a noite de 24 e o dia 25 assume um significado particular.Segundo Aldina Gamboa, o período mais difícil não é propriamente o dia de Natal, mas as semanas que antecedem: “É antes da festa que há mais instabilidade. Sonha-se com aquilo que poderia ser e não é”. É uma fase marcada pela expectativa e pela incerteza, sobretudo entre os mais velhos que imaginam que alguém possa aparecer à última da hora e mudar o rumo das festividades. Alexandre Botelho, psicólogo do Lar, explica que a equipa sensibiliza as famílias para avançarem com os pedidos judiciais de saída o quanto antes. No entanto, muitos desses pedidos são feitos tardiamente e acabam por prolongar a ansiedade das crianças e jovens até quase ao último momento.Esta instabilidade reflete-se de forma diferente consoante a idade. As crianças mais pequenas vivem o Natal com entusiasmo, centradas nas prendas, nas luzes e nos chocolates. Para elas, o Natal é sobretudo um dia diferente, alegre e com muitos estímulos. Já os jovens e adolescentes têm uma consciência mais clara da ausência da família e da comparação com os outros: “É quando surgem as perguntas mais difíceis, porque é que os outros vão e eu fico? Porque é que não estou com a minha família?”, explica Bárbara Tavares, diretora técnica e assistente social.A noite de Natal no Lar Nossa Senhora dos Anjos é pensada ao pormenor para que seja o mais próximo possível da experiência familiar. A consoada é preparada com a participação de todos, desde a escolha da ementa à confeção das sobremesas. A mesa é decorada com cuidado e o ritmo da noite é desacelerado, para permitir conversa e partilha. As prendas são abertas mais tarde e resultam maioritariamente de donativos. No dia 25, vive-se sem pressa, aproveitam um filme e comem da mesa do “menino mija”.Apesar deste cuidado, o Natal continua a ser uma época emocionalmente exigente, tanto para as crianças e jovens como para a equipa técnica: “A base do nosso trabalho é muito afeto, miminho e a proximidade junto deles, mesmo que estejam revoltados”, sublinha a diretora técnica. A presença constante dos adultos, a escuta e o acompanhamento individual são essenciais para ajudar a atravessar sentimentos de tristeza, revolta ou isolamento que surgem com maior intensidade nesta altura.Bárbara Tavares acrescenta ainda que o Natal é, tradicionalmente, um período em que aumentam os pedidos de acolhimento, reflexo de situações familiares que se agravam ou se tornam mais visíveis durante as festas.Depois do dia 25, a tensão tende a diminuir e expectativa dá lugar a uma maior serenidade e à retoma da rotina, para quem fica. Para os que regressam das famílias, o retorno à realidade pode gerar revolta. Há, no entanto, quem volte feliz e expectante em relação às prendas e aos momentos que os aguardam no Lar. Quem fica no Lar sabe antecipadamente quais as funcionárias que estarão de serviço nestes dias, figuras que representam cuidado. Esse acompanhamento ajuda a atenuar a ausência familiar. Porque, no final, “elas só querem uma família nem que seja à força”, conclui Bárbara Tavares.