Investigadores defendem mais tempo e espaço para crianças brincarem “sem regras”
11 de jun. de 2024, 10:48
— Mariana Caeiro/Lusa/AO Online
Em março, uma resolução da
Assembleia Geral das Nações Unidas fixou o dia 11 de junho como a data
para assinalar um dia anual de sensibilização para o brincar.A
propósito do primeiro Dia Internacional do Brincar, que se assinala
hoje, investigadores ouvidos pela Lusa alertaram que este direito das
crianças não é hoje plenamente assegurado.“As
crianças têm poucas oportunidades de brincar livremente, com regras
criadas por elas”, considerou Teresa Sarmento, investigadora na área de
Estudos da Criança e professora no Instituto de Educação da Universidade
do Minho.Um comportamento inato, disse a
investigadora, quando brincam as crianças exploram, inventam e simulam
situações que as vão munir de competências e aprendizagens sobre o
ambiente à sua volta, sobre os outros e sobre si próprias.Por
isso, há a tendência de pensar no brincar pelo impacto no
desenvolvimento e nas brincadeiras pelo seu potencial para maximizar
esse desenvolvimento, mas Frederico Lopes dispensa esses binóculos e
defende que “o brincar vale por si próprio”.“Muito
frequentemente, os adultos olham para o brincar muito mais centrado nos
ganhos de competência e isso, de certa maneira, cria uma agenda e uma
pressão sobre as crianças”, argumentou o investigador da Faculdade de
Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, que coordena também a rede
portuguesa da International Play Association (IPA).O
desafio, para os adultos, é desprenderem-se da ideia de um resultado
final e deixarem as crianças brincar livremente e criarem as próprias
regras, sem um adulto a ditar o que pode ou não acontecer.“Essa
flexibilidade, que é uma dimensão importantíssima naquilo que é o
brincar, é perdida, porque o brincar é um comportamento muito dinâmico e
quando assim deixa de ser, para a criança, pode ser profundamente
entediante”, defendeu Frederico Lopes.Os
dois investigadores admitiram, no entanto, que o contexto social,
atualmente, não é propicio a isso, desde logo, porque falta tempo.“As
crianças precisam de muito tempo para brincarem livremente. A questão é
como é que o tempo está organizado, e está muito organizado em função
do tempo dos adultos”, observou Teresa Sarmento.O coordenador da IPA Portugal fala numa “colonização do tempo da criança pelo adulto”.“E
como moeda de troca, damos às crianças um conjunto de atividades
lúdicas, mas, no fundo, estamos a povoar esse tempo, que também precisa
de tempo e de espaço para que as crianças tenham as suas próprias
brincadeiras com menos influência daquilo que é esta ação mais
colonizadora por parte dos adultos”, argumentou.A
escola é um exemplo disso e Teresa Sarmento entende que o processo de
escolarização está excessivamente centrado nas questões didáticas e
esquece o direito a brincar. “Aí tem de haver uma alteração muito
grande”, defendeu.Frederico Lopes
acrescentou que as condições dos espaços escolares também não ajudam e
defendeu alterações que viabilizem outras formas de brincar. No
seu entender, é aí que reside a resposta ao desafio das novas
tecnologias e quando as escolas e os pais estão perante o dilema de
proibir ou não o uso dos telemóveis, por exemplo, tem de existir uma
espécie de negociação.“É importante fazer
com que sejam criadas outras propostas, gerar outro tipo de condições,
reencontrar o espaço para que as brincadeiras possam acontecer de forma
muito mais relacional. Se não fizermos essa discussão e não investirmos
nessa vertente, naturalmente que depois as crianças se refugiam mais
neste outro tipo de brincar”, disse o investigador, que acredita que “se
as condições forem certas, as crianças brincam sempre”.É
neste ponto que as perspetivas divergem e Teresa Sarmento é da opinião
que mesmo perante outras alternativas no recreio, as crianças vão optar
pelo uso do telemóvel se existir essa oportunidade e sobretudo se esse
hábito vier de trás, pelo potencial aditivo.“O
que se vê nas escolas que estão a impedir a utilização de telemóveis
nos recreios, é que as crianças acabam por brincar muito mais umas com
as outras, por conversar muito mais umas com as outras, por estarem
relaxadas de outra forma”, relatou.Mas a defesa pelo direito a brincar, concordam, exige um esforço de toda a sociedade e políticas públicas nesse sentido.