Investigador alerta para comportamento cada vez mais intenso do fogo
Incêndio
22 de jul. de 2022, 11:03
— Lusa/AO Online
“Analisando com
detalhes e cruzando informações, nomeadamente dos incêndios que têm
estado a ocorrer em Espanha, há um dado que seguramente deve fazer
refletir todos aqueles que estudam esta matéria, que é a progressão
aceleradíssima das frentes de fogo e depois, por outro lado, a
intensidade e a energia que é criada pelo próprio incêndio”, disse o
presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC).Duarte
Caldeira, que pertenceu também ao observatório técnico independente
criado pelo parlamento até 2021 para avaliar os incêndios florestais,
fez à Lusa uma leitura dos fogos que se tem registado no país desde 08
de julho e que já consumiram mais de 45.000 hectares em 15 dias.“A
constatação destes últimos dias e das informações que tenho recolhido é
que o fogo está a ter um novo comportamento e tem uma grande aceleração
e uma grande intensidade. Esta circunstância das correntes
multidirecionais geradas pelo próprio incêndio levarem a que o fogo se
expandisse em múltiplas direções e dando origem a novas ignições”,
descreveu, frisando que esta é “uma situação nova”.O
antigo presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses e da Escola
Nacional dos Bombeiros considerou que este novo comportamento do fogo,
que se espalha com muita facilidade, deve ser objeto de estudo e de
análise especifica, uma vez que estes fenómenos vão ocorrer mais vezes
no futuro.Nesse sentido, o especialista
defendeu que, até ao final de outubro, quando termina o período de maior
incidência de incêndios florestais, deve recolher-se informação para
depois ser feita uma análise multidisciplinar com operacionais,
políticos, academia e cientistas.“Estamos
na presença de eventos extremos que vão continuar a suceder-se, vão
passar a ser algo regular e com o qual temos que conviver. Olhemos então
para o nosso sistema, tal como está configurado, e perceber se está ou
não adaptado a esses desafios”, disse, ressalvando que o sistema atual
nasceu num quadro diferente daquele que se está a viver atualmente.Duarte
Caldeira destacou o comportamento do dispositivo de combate a incêndios
perante a intensidade do fogo e da severidade meteorológica registada,
realçando “a substancial redução do numero de ignições”.“Se
tivermos em consideração a severidade e estes novos dados do
comportamento do incêndio, é claro que há aqui um dado que é uma redução
substancial do número de ignições e se compararmos com 2003 e 2005 em
particular, dois verões dramático e onde efetivamente chegou a haver
mais de 400 ignições num dia”, disse.Duarte
Caldeira afirmou que em 2003 e 2005, quando arderam mais de 400 mil e
300 mil hectares respetivamente, o sistema colapsou.“Este
ano, qualquer pessoa séria que queira abordar esta questão tem que
reconhecer a dimensão da resposta”, sublinhou, considerando que “é justo
reconhecer que se denota uma evolução positiva na organização,
estratégia, mobilização e comunicação do dispositivo de combate”.O
presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil
destacou igualmente que hoje os decisores políticos e operacionais
transmitem à população “confiança e não transmitem o dramatismo e a
desorientação que, muitas vezes, ao longo dos anos, transmitiam”.Duarte
Caldeira saudou também a decisão assumida em algumas fases de alguns
incêndios que não havia condições de combater devido à sua intensidade,
salvaguardando assim a vida dos operacionais.O
especialista criticou, por outro lado, que os relatórios oficiais nos
últimos dois anos tenham “subvalorizado a redução da área ardida como se
estivesse na presença de alguma coisa que fosse estrutural e que fosse
para manter”.“É tempo de acabar com o
campeonato das áreas ardidas, que é uma forma de não olhar para este
problema com a racionalidade que exige pela sua dimensão e importância
para o país. Não é uma questão de mais 10, 20 ou 100 hectares, isso é
enganar efetivamente a realidade objetiva da situação, é simplesmente
perceber que, da mesma forma que tivemos 20.000 hectares no ano passado,
em condições concretas como foram aquelas, temos hoje, perante
condições meteorológicas radicalmente diferentes, 58.000”, concluiu.