Infeciologista Fernando Maltez diz que imunidade de grupo "é uma miragem"
Covid-19
27 de jan. de 2022, 11:31
— Lusa/AO Online
“Nós
não entramos ainda nesta fase [endemia]. Nós estamos a viver uma fase
em que aquela tal imunidade de grupo é uma miragem”, afirmou à agência
Lusa o diretor do serviço de Doenças Infeciosas do Hospital Curry
Cabral, que faz parte do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
(CHULC).Para Fernando Maltez, “é até um
bocadinho perigoso” começar a falar já de endemia, afirmando que é
preciso “perceber bem” o que são doenças endémicas, dando como exemplos o
dengue no Brasil e a gripe.São doenças
que estão controladas e em que todos os anos se espera um ‘x’ número de
casos, embora periodicamente possa aparecer um maior número de casos, e
se toma uma vacina, explicou. O que se
verificou é que a vacinação contra a Covid-19 não trouxe a proteção e a
imunidade protetora duradoura suficiente para tranquilizar e evitar que
as pessoas tenham de fazer vacinações mais repetidamente.“A
própria infeção quando a apanhamos não garante uma imunidade protetora
duradoura e, portanto, nós estamos perante uma doença que tem que ser
controlada, vacinando a população toda”, salientou.O
infeciologista defendeu que é preciso estar “muito atento” à emergência
de novas variantes, com “um controle rigoroso” das fronteiras e fazer
“uma sequenciação genómica criteriosa para as identificar em tempo
útil”.Disse ser fundamental que toda a
população esteja vacinada e que “as crianças façam parte desse plano
global”, realçando também a importância de “não relaxar as medidas não
farmacológicas” enquanto não se atingir uma taxa de vacinação de 100%.“A
vacinação tem se ser feita à escala global tem que ser alargada, nós
temos que estar preparados com vacinas provavelmente de segunda e
terceira geração que nos deem cobertura para estas variantes que vem com
características imprevisíveis”, salientou.Neste
momento, está a lidar-se com uma variante (Ómicron), que “tem maior
transmissibilidade, mas que felizmente tem menor gravidade do ponto de
vista clínico e induz menor mortalidade e menor taxa de hospitalização”.“Mas
enquanto não estivermos todos vacinados, enquanto o vírus continuar a
replicar-se em pessoas que não estão vacinadas, corremos o risco de ter
variantes que podem ter características de maior gravidade, de maior
transmissibilidade, de maior letalidade e pôr em risco tudo aquilo que
está para trás”, alertou.“Quando tivermos,
eventualmente, um antivírico eficaz que iniba diretamente a replicação
do vírus e respeitando essas medidas não farmacológicas e mantendo esta
testagem massiva é provável então que entremos nessa fase endémica que
nos obriga periodicamente fazer um reforço vacinal para manter esse
estado de endemicidade”, sustentou Fernando Maltez.Mas,
para isso, “era desejável” que todas estas variáveis fossem mantidas ao
nível global, não só em Portugal e não só na região europeia.“Tendo
em conta o estado atual da arte é até previsível que se possam desenhar
situações epidemiológicas muito diferentes consoante a região
geográfica do globo”, tendo em conta as taxas de vacinação. Questionado
sobre se o aumento diário de novas infeções, que na quarta-feira
ultrapassaram as 65.500, tem-se refletido nos internamentos, o médico
afirmou não é nada que se pareça com o que aconteceu há um ano.Mas
tem-se vindo a notar um aumento paralelamente ao aumento do número de
novos casos, sendo de prever, tendo em conta a atual trajetória da
pandemia, “uma maior pressão sobre os internamentos” e em consequência
também proporcionalmente um maior número de óbitos.
“A quota do meu serviço para doentes infetados com SARS-Cov-2 está
preenchida, tivemos de nos alargar para outros serviços do hospital (…) e
isto obviamente vai ter consequências também depois no atendimento de
outras patologias não-covid”, afirmou.Segundo Fernando Maltez, 70% dos doentes internados no hospital são vacinados, alguns deles até com a dose de reforço.Destes
doentes, cerca de 40% estão internados por manifestações clínicas
induzidas pelo próprio vírus e os restantes são doentes internados
concomitantemente com Covid-19 e outras patologias. “Entre
estes, temos doentes que entram no hospital, por exemplo, por uma
patologia traumática ou que entram para fazer uma determinada cirurgia e
que o rastreio obrigatório para exclusão da infeção deteta que estão
infetados com o SARS-Cov-2”, explicou.