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Incêndio no hospital de Ponta Delgada provocou caos e incerteza mas união evitou tragédias

O incêndio no Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), nos Açores, em 2024, provocou o caos e a incerteza, mas a união de esforços evitou tragédias numa calamidade comparável à pandemia da covid-19, segundo relatos de médicos.


Autor: Lusa

Em declarações à agência Lusa, a internista Paula Costa, que trabalha no hospital de Ponta Delgada desde 2018, recordou que em 04 de maio de 2024 começou a “perceber que alguma coisa não estava bem” devido à falha do sistema informático e a um “cheiro estranho”.

“Nesse dia fica bem patente que o ser humano consegue ultrapassar e adaptar-se a tudo. Depois da covid-19, pensávamos que já estava tudo visto e eu creio que isto para nós teve mais impacto do que a covid”, afirmou.

Mais do que o medo, o sentimento que a assolou durante o incêndio foi a “incerteza face ao que vinha a seguir”, com a inoperacionalidade do maior hospital dos Açores.

“Lembro-me de no meio do caos ter conseguido alguma calma e encontrei um colega no espaço da consulta externa. A confusão era tal e eu olhei para ele e pensamos os dois a mesma coisa, que foi: isto agora está, mas e o depois?”, relatou.

Apesar das dificuldades, Paula Costa destacou a união de todos os profissionais para retirar com sucesso cerca de 300 doentes.

“As coisas acabaram por funcionar bem porque a equipa se uniu toda. Todos ajudaram. Todos fomos convocados”, realçou.

Após o incêndio, os serviços do HDES foram instalados em várias instituições da ilha, tendo Paula Costa trabalhado no hospital privado da CUF, no Centro de Saúde de Ponta Delgada e no posto médico criado no pavilhão desportivo Carlos Silveira.

Já Ana Beatriz Amaral passou pela Casa de Saúde Nossa Senhora da Conceição e pelos centros de saúde de Vila Franca do Campo e Ribeira Grande.

“Tivemos de trabalhar imenso, mais do dobro do habitual. Os nossos doentes ficaram espalhados pela ilha. Um esforço incrível”, considerou.

No dia do fogo, a especialista em Medicina Interna também sentiu um “cheiro diferente” que pensou ser do incenso da missa celebrada na capela do HDES, uma tradição no sábado das festas do Santo Cristo.

Quando notou que não existia luz na urgência percebeu que o “assunto era sério”: “Estava totalmente às escuras. Isso nunca tinha acontecido. Nunca. Percebi que era grave.”

Para Ana Beatriz Amaral, foi a “união de esforços” entre profissionais de saúde e bombeiros que evitou danos maiores e permitiu superar os “momentos assustadores”.

“Não havia central e tivemos de contactar colegas que estavam em casa. Ainda bem que há grupos do Whatsapp, porque a ajuda foi muito rápida a chegar”, contou.

Umas das ajudas que chegaram foi a de Sara Ledo, internista intensivista, “convocada” assim que aterrou na ilha de São Miguel vinda de férias no estrangeiro - “foi a demora de chegar a casa e ir logo para o hospital”.

Com a instalação da unidade de cuidados intensivos do HDES no hospital da CUF, Sara Ledo ficou a trabalhar naquela instituição privada, que partilhou as vagas com o hospital público de Ponta Delgada.

Nos meses seguintes ao incêndio continuou a haver doentes transferidos para o continente, para a Madeira e para a Terceira, já que o HDES dispunha, em média, de quatro camas para cuidados intensivos na CUF.

“Com duas, três ou quatro camas, não podíamos ter internamentos de 15 dias. Os doentes eram estabilizados e depois transferidos”, explicou.

Sobre o dia do fogo, a médica, que transferiu um dos dois doentes na altura ventilados, lembrou o “fumo preto, preto” presente nos corredores e o esforço para transportar as macas pelas escadas.

“Foi uma evacuação muito bem feita. Em tão pouco tempo conseguirem alocar os cuidados como fizeram é de muito valor. Nos doentes internados, não houve nenhuma tragédia. Isso é o mais importante”, sublinhou.

A propósito do primeiro aniversário do incêndio, a Lusa contactou a Ordem dos Médicos, que rejeitou responder.

O fogo, que teve origem nas baterias de correção do fator de potência do posto de transformação, obrigou a deslocar cerca de 300 doentes para outras unidades de saúde na região, para a Madeira e para o continente, e provocou um prejuízo estimado em mais de 24 milhões de euros.

Só em 05 de fevereiro é que o hospital de Ponta Delgada voltou a ter capacidade para assegurar os cuidados que prestava antes do incidente, com a operacionalização plena de uma infraestrutura modular construída na zona do heliporto para compensar o encerramento de parte do edifício central, que será requalificado.