Imunidade de grupo contra o sarampo acabou em Portugal
31 de out. de 2017, 12:09
— Lusa/AO online
Os dados constam do
Inquérito Serológico Nacional (ISN) 2015-2016, desenvolvido pelo
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), em que
participaram 4.866 pessoas, e que vem atualizar o último estudo,
relativo a 2001-2002. No último inquérito, a seroprevalência para
o vírus do sarampo foi de 95,2%, mas o atual aponta para 94,2% de
indivíduos imunes à doença. "Este valor é inferior a 95%,
proporção de indivíduos seropositivos [com contacto com o agente
infecioso] necessária para que ocorra imunidade de grupo", a qual é um
efeito indireto da vacinação que protege os vacinados, mas também os que
não receberam a vacina, uma vez que reduz a circulação do agente e da
transmissão da infeção. A percentagem de imunes não é igual em
todas as faixas etárias. O documento indica que "a imunidade de grupo
verificou-se globalmente para ambos os sexos nas crianças com idades
compreendidas entre os dois e os nove anos e nos adultos com idade
superior a 44 anos, correspondendo aos indivíduos vacinados com VASPR
[vacina combinada contra o sarampo, a parotidite epidémica e a rubéola] e
aos que desenvolveram imunidade natural". Nos grupos etários
entre os dois e os quatro anos e os cinco e os nove anos, a imunidade de
grupo não é uniforme por região e sexo, "sendo inferior a 95% em alguns
grupos do sexo feminino ou masculino do Centro e Região Autónoma dos Açores". A
proteção baixa nos indivíduos com 15 a 29 anos (90%), atingindo os
88,2% entre os 15 e os 19 anos e os 77,9% para a faixa entre os 20 e os
29 anos. Segundo os autores, "a proporção de indivíduos
suscetíveis nestes grupos etários pode ser atribuída ao facto de terem
sido vacinados com diferentes estirpes vacinais ou por um declínio dos
anticorpos ao longo do tempo, que pode ocorrer após vacinação". A
proporção de indivíduos seropositivos foi próxima dos 100% (99,6%) no
grupo dos nascidos antes de 1970, tratando-se de "indivíduos que
desenvolveram imunidade natural após infeção com o agente viral". "A
proporção de indivíduos seropositivos foi superior a 90%, mas inferior a
95% na coorte dos nascidos depois de 1996 e na dos nascidos entre 1970 e
1977", prossegue o relatório do inquérito. A investigação aponta
para uma prevalência de anticorpos para o sarampo - a nível nacional,
por sexo e região -- com percentagens inferiores aos obtidos no
inquérito de 2001-2002. Esta diferença foi mais marcante no grupo
etário entre os 15 e os 44 anos, na qual se verificou "um aumento do
número de suscetíveis, não existindo imunidade de grupo". Além
do sarampo, o ISN 2015-2016 avaliou outros microrganismos, nomeadamente
os vírus da poliomielite tipo 1 e tipo 3, da rubéola, parotidite
epidémica, da hepatite A e da hepatite B. As bactérias analisadas
foram a 'bordetella pertussis' (tosse convulsa), 'clostridium tetani'
(tétano), 'corynebacterium diphtheriae' (difteria) e o 'haemophilus
influenzae' tipo b (que causa doenças como meningite ou pneumonia). Em
relação à tosse convulsa, os autores referem que "a evidência de
circulação desta bactéria em adultos reforça a importância da vacinação
contra a tosse convulsa, de alguns grupos populacionais, de forma a
prevenir a transmissão da bactéria a outros onde o risco de infeção se
traduz em doença grave". Contra o tétano, a proporção de
indivíduos com nível de anticorpos protetor foi de 98,4%, superior aos
inquéritos anteriores, o que evidencia "o impacto da vacinação ao abrigo
do Programa Nacional de Vacinação (PNV)". Se entre os 10 e os 54
anos de idade a proporção de indivíduos protegidos contra o tétano foi
de aproximadamente 100%, a partir dos 55 anos esta proporção decresceu
para 96,4%. Nas crianças entre os dois e os nove anos, desceu o nível de
anticorpos protetor, em relação ao ISN 2001-2002. "Apesar de
todas as crianças entre os dois e os nove anos, incluídas neste estudo,
possuírem anticorpos contra a toxina do tétano, sete por cento das
crianças entre os dois e os quatro anos e 2,6% das crianças entre os
cinco e os nove anos apresentaram concentração abaixo do valor
considerado protetor", lê-se no documento. Para os autores,
"estes resultados sugerem que todas estas crianças foram vacinadas. No
entanto, a vacinação não induziu o desenvolvimento de anticorpos em
nível que confira proteção". Sobre a difteria, o inquérito revela
que a proporção de indivíduos com nível de anticorpos protetor é
superior à observada no ISN 2001-2002, em todos os grupos etários. "Esta
diferença é mais evidente após os 15 anos, o que parece refletir a
introdução no PNV em 2000, da vacina combinada contra a difteria e
tétano, na vacinação de reforço a partir dos 10 anos de idade,
confirmando assim o benefício da sua introdução". O documento
indica que "a proporção de crianças com nível de anticorpos protetor
contra a doença invasiva por 'haemophilus influenzae' tipo b (Hib) é
superior a 86% até aos nove anos". "A maior percentagem
observou-se no grupo etário dos dois aos quatro anos (88,5%), grupo mais
vulnerável à doença, sendo a menor percentagem observada entre os 10 e
os 14 anos (75,9%)". Em relação à rubéola, a proporção de
indivíduos com nível de anticorpos protetor foi superior a 90% em todos
os grupos etários, com exceção dos jovens entre os 15 e os 19 anos. Esta
faixa etária deve, na opinião dos autores, ser monitorizada e alvo de
estudos adicionais que "clarifiquem as causas do observado, de forma a
garantir imunidade de grupo em todos os grupos etários e o sucesso na
eliminação da doença".