Imunidade após infeção no centro das dúvidas do combate ao vírus
15 de jul. de 2020, 15:16
— Lusa/AO online
A indefinição em torno da imunização e de
aparentes casos de reinfeção foi reconhecida hoje pela diretora-geral da
Saúde, Graça Freitas, que reiterou a importância da “humildade” de se
assumir o desconhecimento da doença, ao salientar que se trata de
“situações que não são ‘preto ou branco’”. Em
resposta a uma questão da Lusa, explicou que pessoas que voltem a
testar positivo depois de debelar a infeção podem não estar
verdadeiramente doentes. “Pode significar
apenas que, a nível da sua árvore respiratória superior, existam
partículas do vírus e que o teste as detete, mas não quer dizer que
sejam partículas viáveis do vírus e que sejam capazes de criar outra vez
doença ao próprio ou a outras pessoas”, afirmou, sublinhando que, neste
momento, “não há nenhuma prova inequívoca, nem em Portugal, nem em
nenhum país, que exista esse fenómeno da reinfeção”.Cerca
de quatro meses depois da declaração de pandemia por parte da
Organização Mundial de Saúde (OMS) e mais de seis meses após a
descoberta do novo coronavírus em Wuhan, na China, cientistas de todo o
mundo trabalham em contrarrelógio para o desenvolvimento de uma vacina
ou de tratamentos específicos para a infeção causada pelo SARS-CoV-2.De
acordo com virologistas, a imunidade a outros coronavírus – como os
responsáveis pela síndrome respiratória aguda (SARS) em 2003 e a
epidemia de síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS) em 2012 – não é
particularmente extensa, rondando entre ano e meio e três anos.
Contudo, um estudo da universidade britânica King’s College London,
divulgado esta semana, indicou que a imunidade à covid-19 pode
desaparecer em poucos meses.A validar-se a
conclusão deste estudo por investigadores não envolvidos na pesquisa, a
eficácia de uma eventual vacina pode ser colocada em causa ou obrigar a
administrações regulares.Segundo o
estudo, que analisou a resposta imunológica em mais de 90 casos
confirmados, os níveis de anticorpos neutralizantes capazes de destruir o
SARS-CoV-2 atingiram o pico médio em torno de três semanas após o
início dos sintomas.Com efeito, apenas
16,7% dos pacientes ainda apresentavam altos níveis de anticorpos
neutralizantes 65 dias após o início dos sintomas, o que levanta dúvidas
sobre a ideia de “imunidade de grupo” – na qual 60% a 70% da população
precisaria de já ter tido contacto com o vírus - como uma estratégia de
resposta eficaz à pandemia. Quem mais se
aproximou deste conceito de imunização foi a Suécia, que se opôs ao
confinamento e nunca fechou escolas, cafés, bares ou restaurantes,
apenas pedindo a cada um responsabilidade e respeito pelo distanciamento
social. Porém, um estudo da Agência de
Saúde Pública revelou em 20 de maio que somente um em cada cinco
habitantes de Estocolmo poderá ter desenvolvido anticorpos e que os
números seriam ainda inferiores no resto do país.Em
Portugal, os resultados do primeiro estudo serológico para aferir a
imunidade da população devem ser conhecidos até ao final de julho.
Conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA),
em articulação com a Direção-Geral da Saúde (DGS), o inquérito – com uma
amostragem superior a 2.000 participantes e que envolveu 17 hospitais e
105 postos de colheita - será seguido nos próximos meses por três novos
estudos serológicos.Paralelamente, o grau
de imunidade é ainda influenciado pela gravidade que a infeção teve no
doente. De acordo com um estudo do Instituto Pasteur, em França,
anunciado publicamente em 26 de maio, uma grande maioria de pessoas
doentes com covid-19 e com sintomas ligeiros cria anticorpos que os
podem imunizar durante várias semanas contra a doença, o que, em teoria,
protege os doentes curados de uma nova infeção no curto prazo.Em
aberto está também uma hipotética proteção imunológica superior de
diferentes populações. Um estudo do Centro de Estudos de Ciência
Avançada e Tecnologia da Universidade de Tóquio, apresentado no final de
maio, apontou para uma maior proteção imunológica das populações do
Japão e de outros países da Ásia oriental devido à exposição anterior a
patógenos relacionados, o que poderia explicar a menor mortalidade nesta
região.As diversas incertezas em torno da imunidade à covid-19 refletem também a postura cautelosa da OMS ao longo do processo.Já
em 17 de abril, o organismo aconselhou prudência aos países no uso de
testes serológicos para retirar conclusões sobre imunidade, não só por
algum défice de sensibilidade dos testes nessa fase, mas também por o
mero contacto com o vírus não permitir uma avaliação rigorosa do nível e
da durabilidade da proteção adquirida.No
entanto, especialistas apontam também que a imunidade não se baseia
somente na produção de anticorpos, uma vez que o corpo produz células
imunes (B e T), ou seja, células de memória imune que podem ser
desencadeadas para nova resposta imunitária face a uma nova infeção pelo
vírus. Uma linha de investigação citada hoje por Graça Freitas, que
vincou que “pode haver alguma imunidade feita por essas células” à
covid-19.Nesse sentido, a nível de
política de imunidade, a DGS assegurou estar “a acompanhar os inquéritos
do resto do mundo” e Graça Freitas aproveitou para frisar que, a nível
internacional, pensa-se cada vez mais que “a imunidade individual –
aquilo que se chamou em tempos o passaporte de imunidade - tem pouco
valor”.A procura de uma vacina eficaz
mobilizou - como nunca se tinha visto – a comunidade científica a nível
mundial, num esforço conjunto e que tem batido recordes na redução dos
prazos habituais de desenvolvimento e testes. Em
abril, um balanço divulgado pela revista científica Nature
contabilizava mais de 100 vacinas candidatas contra a covid-19, com a
primeira vacina candidata a iniciar os testes em 16 de março, nos
Estados Unidos.A maioria das vacinas
candidatas, sobre as quais existia então informação disponível, pretende
induzir a formação no organismo de anticorpos (glicoproteínas)
neutralizadores da proteína-chave do coronavírus, a chamada proteína da
espícula, que permite que o SARS-CoV-2 entre nas células humanas ao
ligar-se a uma enzima (substância proteica), a ACE2.A
pandemia de covid-19 já provocou mais de 578 mil mortos e infetou mais
de 13,34 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um
balanço feito pela agência francesa AFP.Em
Portugal, morreram 1.676 pessoas das 47.426 confirmadas como infetadas,
de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.