Imigrantes preocupados com extrema-direita duvidam que aplique o seu projeto
França
4 de jul. de 2024, 11:50
— Lusa/AO Online
A
viver na rua, e com a situação por regularizar em França, os imigrantes
ilegais são um dos principais alvos do projeto da União Nacional
(Rassemblement National, em francês), que, segundo as sondagens, deverá
ganhar a segunda volta das eleições legislativas francesas, este
domingo.O seu líder, Jordan Bardella, já
anunciou que, se ganhar, uma das primeiras medidas que vai tomar é a
“suspensão imediata da regularização” da situação das pessoas que estão
em situação ilegal em França. Nesse
projeto de lei, o partido pretende também criar a figura jurídica de
“crime de residência ilegal”, que faria com que quem estivesse em França
sem documentos passasse a ser passível de multas, penas de prisão ou
expulsão. Vários imigrantes entrevistados
pela Lusa desconfiam, contudo, que o partido consiga implementar na
prática este projeto, salientando que a França tem “mais de 600 mil
quilómetros quadrados” e a questão da imigração é sobretudo um argumento
eleitoral.Thabti, tunisino que chegou a
França em 2021 e vive na rua com a mulher e o filho de oito meses,
considera que o facto de a extrema-direita focar-se tanto na temática da
imigração tem sobretudo “fins eleitorais”, “Para
implementar um projeto desses, eram preciso cinco ou 10 anos. Como é
que vais fazer isso? Vão pôr polícias com armas, apontar às pessoas e
dizer ‘senhor, venha comigo para o aeroporto’? É impossível. Há coisas
mais importantes para os franceses se preocuparem do que nós”, diz.Sokhona,
de 31 anos, chegou a França em 2019. Veio da Mauritânia, após ter
tentado duas vezes atravessar o mar Mediterrâneo de barco - a primeira
vez, o barco afundou - e, agora, afirma estar preocupado com uma
eventual vitória da União Nacional, apesar de salientar que não gosta de
falar de política.“Tenho confiança nos
franceses e acho que não nos vai acontecer nada. Eles não podem expulsar
os imigrantes, seria muito complicado: há muitos africanos a trabalhar
cá”, refere o jovem, que vive na rua também com a mulher e filho, já
tendo tentado por duas vezes obter documentos para viver legalmente em
França, sem sucesso.Para muitos destes
imigrantes, o facto de, para sobreviverem, terem de fazer os trabalhos
“que os franceses não querem fazer”, faz com que, mesmo que a
extrema-direita quisesse implementar o seu projeto, o país acabaria por
ficar na ruína.“Quem é que trabalha aqui?
São os árabes que constroem os prédios, que trabalham na restauração e
nas obras. Somos nós que fazemos os trabalhos difíceis, não são os
franceses”, frisa à Lusa Gaith Jamil, que vive nas ruas de Paris com a
mulher, depois de ter feito uma viagem a pé de 10 meses, desde Istambul,
em 2021.Também Thabti, que tem formação
jurídica e tinha uma agência de viagens na Tunísia - que foi à falência
com a pandemia, em 2020, deixando-o com muitas dívidas -, salienta que
uma grande parte da população francesa “é idosa” e a expulsão de
imigrantes provocaria “uma nova crise”.“Se
nós nos formos embora, vai haver uma crise de mão de obra: vai deixar
de se encontrar um canalizador, quem trabalhe na construção pública, nas
padarias, etc. Eu vou-me agora embora e depois? Não vai haver nada, vai
ser preciso formar franceses para trabalharem na canalização,
carpintaria, para soldar e pescar, etc. Não há estratégia nenhuma,
usam-nos para as eleições”, critica.Apesar
disso, a maioria destes imigrantes estão preocupados com o crescimento
da extrema-direita, como Bienvenue, da República do Congo, que chegou a
França em 2023, com a mulher e três filhos, “para fugir da política”.“Viemos
pedir asilo à França para vivermos descansados. Não gosto de falar de
política, isso é com os franceses. Se me obrigassem a voltar para o
Congo, não poderia fazer nada, mas só viemos porque já não podíamos
estar lá e aquilo agora é muito perigoso para nós”, refere.