Ilhas Terceira e São Miguel divergem sobre construção de nova incineradora

3 de mar. de 2020, 09:45 — AO/LUSA

“Se não tivermos a central de valorização energética na ilha de São Miguel, a nossa convicção é que vai resultar tudo em aterro, porque não estou a ver quem é que vai pagar o custo de transporte”, afirmou hoje o presidente da Musami, empresa intermunicipal de gestão de resíduos de São Miguel, Ricardo Rodrigues.O responsável pela MUSAMI e presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo falava numa audição, por videoconferência, na Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho da Assembleia Legislativa dos Açores, a propósito da discussão de um projeto de decreto legislativo regional, apresentado pelo PPM, com vista à alteração do Plano Estratégico de Prevenção e Gestão de Resíduos dos Açores (PEPGRA). Atualmente, os Açores têm apenas uma incineradora, na Terceira, construída há cinco anos, e a Teramb, empresa intermunicipal de gestão de resíduos desta ilha, alega ter capacidade para tratar os resíduos de todas as ilhas dos Açores, após os restantes tratamentos e reciclagem. Em outubro do ano passado, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada decidiu anular a adjudicação da construção da incineradora de São Miguel ao consórcio que venceu o concurso, na sequência de queixas de um dos concorrentes, mas os seis municípios da ilha decidiram avançar com um novo concurso.O PPM propõe que o PEPGRA só autorize a construção de uma incineradora em São Miguel caso a da Terceira não tenha capacidade para tratar todos os resíduos e o transporte para o continente não seja viável.Ricardo Rodrigues defendeu, no entanto, que a incineradora da ilha Terceira não terá capacidade para tratar todo o lixo de São Miguel, mesmo após a reciclagem e outros tratamentos, alegando que a ilha ficaria sempre com “dezenas de toneladas” de resíduos para depositar em aterro.Segundo o autarca, a central da ilha Terceira tem capacidade para tratar 55 mil toneladas de resíduos e atualmente trata 42 mil toneladas, mas mesmo que aumente as metas de reciclagem para 50%, em 2025, ficará apenas com 18.600 toneladas livres.Nesse ano, Ricardo Rodrigues estima que São Miguel tenha 65.600 toneladas de resíduos sem destino (47 mil de refugo e 18 mil de resíduos industriais), ou seja, mesmo enviando 18.600 para a ilha Terceira continuaria a ter de colocar 47 mil em aterro. Por outro lado, defendeu que a valorização de resíduos na ilha Terceira teria custos acrescidos com o transporte, duplicando o preço de tratamento por tonelada de 41 para 82 euros.O autarca considerou que não se pode tentar resolver o problema de sobredimensionamento da central de valorização energética da ilha Terceira criando outro problema em São Miguel e sublinhou que não será a Musami a pedir uma reunião à Teramb ou ao Governo Regional. “Se a Terceira disser que recebe tudo pára já o projeto em São Miguel, mas não podem imputar aos micaelenses um maior custo para a solução que nós temos e que, em 2025, será de 41,02 euros por tonelada”, reiterou, acrescentando que “o tempo está a esgotar-se”.Quanto à nova incineradora disse esperar ter o projeto concluído “no final do primeiro semestre” no, para poder candidatá-lo a fundos comunitários até dezembro, acrescentando que a capacidade será inferior a 55 mil toneladas, mas ainda não está definida. A presidente do conselho de administração da Teramb e vereadora da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, Raquel Ferreira, defendeu, por sua vez, que a construir-se uma nova incineradora de São Miguel terá de ser “dimensionada à realidade”.“Tem de ser um investimento concertado. Nós temos de nos sentar e discutir e ver o que são os números reais e as metas para a reciclagem que passam a ser obrigatórias”, salientou, em declarações aos jornalistas, à margem da audição, alegando que os Açores correm risco de ter duas incineradoras que “não funcionam por falta de resíduos”.Segundo Maria Ekström, vogal do conselho de administração da Teramb, atualmente a incineradora da ilha Terceira trata cerca de 40 mil toneladas de lixo proveniente de sete ilhas dos Açores (exceto Pico e São Miguel), mas 20% resultam da limpeza de bolsas do aterro e apenas 36% dos resíduos da ilha Terceira são reciclados, quando a meta para 2025 é de 50%.“Dotando todas as ilhas com infraestruturas de reciclagem, temos capacidade de absorver tudo o que não tenha valor na região”, sublinhou.