Tal cosmopolitismo está
íntima e indissociavelmente ligado à sua importância
geoestratégica a partir do século XVIII e com maior incidência no
século XIX e primeiro quartel do século XX. Refiro-me à Horta que
esteve na rota da laranja, do vinho e da baleia. A Horta dinâmica,
mercantil, carvoeira, desportiva, telegráfica, culta e ilustrada. A
Horta enquanto escala obrigatória de navios, porto de
reabastecimento de frotas, local de descanso da marinhagem, num tempo
em que o poeta Pedro da Silveira a (d)escrevia como “a mais alegre,
a maior cidade pequena do Mundo”.
Convirá não esquecer que
a Horta foi a primeira localidade da Europa a possuir uma
representação consular norte-americana logo após a Independência
dos Estados Unidos da América, mercê da presença, no Faial, da
família Dabney entre 1804 e 1892.
De resto, a presença
estrangeira na “ilha azul” é uma constante ao longo da sua
história: assistiu-se logo a partir do século XV à vinda de
flamengos cujos apelidos ainda hoje perduram entre nós: Dutra,
Goulart, Terra, Rosa, Silveira, Brum, Bulcão e Decq.
O século XIX é marcado
pelo forte contributo económico, social e cultural de três gerações
da referida família norte-americana Dabney (John Bass Dabney,
Charles William Dabney e Samuel Whyllys Dabney); depois a Horta foi
palco das primeiras travessias aéreas, sofrendo influências, a
diversos níveis, deixadas pelos ingleses, americanos e alemães das
Companhias dos Cabos Telegráficos Submarinos (de 1893 a 1962),
havendo ainda a considerar a instalação de uma Base Aliada Naval
durante as duas grandes Guerras Mundiais, o ciclo dos clippers da
“Pan America” (entre 1939 e 1945) e a presença dos rebocadores
holandeses.
A partir dos anos 80 do
século XX, com a construção da Marina, nada na Horta viria a ser
como dantes: esta cidade transformar-se-ia em porto de escala do
iatismo de recreio internacional, sendo que, em termos de
movimentação dos chamados “pleasure boats”, a Marina da Horta
ocupa hoje o primeiro lugar a nível nacional, o segundo lugar a
nível europeu e o quarto lugar a nível mundial.
Esta cidade pode mesmo
orgulhar-se de ter “a Marina oceânica mais internacional do
mundo”, conforme deixou escrito João Carlos Fraga. Por aqui passam
todas as bandeiras, todos os veleiros, todos os velejadores, todas as
raças, todas as línguas, todas as nacionalidades.
Mas há mais: é na Horta
que acontece, anualmente, o maior e melhor festival náutico de
Portugal: “Semana do Mar”. A baía da Horta foi classificada
como uma das mais belas do mundo, e o “Peter Café Sport”, onde
se bebe o gin da amizade, é considerado “o melhor café do mundo
pra receber marinheiros”.
Atualmente são cerca de
600 os cidadãos estrangeiros que escolheram a ilha do Faial para
viver. Entre junho e setembro muitas e desvairadas gentes aportam à
Horta, havendo os que, trazidos por ventos de feição, aqui repousam
das marítimas aventuras – são os “iatistas” que retemperam
forças para retomar a roda do leme e que nos cafés festejam a
alegria reencontrada dos sentidos… e depois partem. Partem porque a
errância é o seu destino e a sua forma de perseguir a felicidade e
o sonho. Oceanicamente livres.
Horta, cidade cosmopolita?
Sejamos rigorosos. Cidades
verdadeiramente cosmopolitas são, por exemplo, Nova York, Londres,
Paris, Toronto, Sydney, Amsterdão, Frankfurt e outros grandes
centros urbanos que são, de facto, espaços multiculturais e
multiétnicos.
Por isso mesmo, a Horta
não é uma cidade cosmopolita – tem, sim, uns laivos de
cosmopolitismo durante os meses de verão.